O mundo vive um difícil momento da sua história, quiçá o mais difícil, considerando a globalização que, em que pese os seus benefícios, impede que os problemas se restrinjam a um determinado local ou região, fazendo com que toda a humanidade seja afetada por eles. Talvez, por isso mesmo, já há os que defendem a desglobalização como alternativa para a solução dos problemas. A globalização, todavia, é algo inerente à própria condição de vida em sociedade hoje, um caminho sem volta e que precisa ser melhor conduzida e organizada para que os seus pontos positivos sejam ressaltados na medida em que se mitigam os negativos.
Tomo como exemplo as redes e mídias sociais, causa e efeito da globalização, que tantas polêmicas têm trazido consigo. De fato, não se pode negar os inúmeros benefícios gerados, como a possibilidade de aprender, de estudar, de conhecer, enfim, de educar-se científica e culturalmente. Porém, o problema ocasionado pela difusão da desinformação, das chamadas fake news, atreladas a componentes de caráter ideológico e partidarismos extremistas, pode representar um dos maiores males da história do Ocidente.
Se a Guerra Fria (1947-1991), representada pelas grandes potências bélicas, Estados Unidos e União Soviética, representava um risco de uma 3ª Grande Guerra e terminou por criar uma bipolaridade mundial, os problemas causados pelas mídias sociais podem gerar uma bipartição social interna, pondo fim ao modelo de Estado Democrático de Direito constituído ao longo dos últimos séculos e que garante às pessoas os direitos à liberdade, à segurança e à propriedade.
Por certo que o acesso ao conhecimento representa uma das maiores prerrogativas que foi concebida às mulheres e aos homens, sendo algo que possibilita o desfrute da natureza, a evolução, a convivência e harmonia social, bem como a própria subsistência dos seres humanos no planeta Terra. Todavia, utilizando-se das mídias e redes sociais, muitos têm se desviado por inúmeras razões, fazendo que a intolerância, a vaidade, a incompreensão e outras tantas deficiências empanem a consciência humana, criando uma quimera e uma verdadeira divisão, entrecortada por ideologias e falácias.
As redes sociais têm coadjuvado com o processo de globalização no que tange à circulação de informações importantes, promoção do conhecimento, troca de ideias e saberes, não se podendo negar a sua importância, na medida em que democratizou o aprendizado. A questão, porém, é que não foram criados filtros e em nome de uma falsa liberdade tem se permitido o acesso não só ao saber, mas também ao não-saber, da mesma forma que é possível a divulgação não só do conhecimento, como também do não-conhecimento. A decantada era da informação transformou-se na era da desinformação.
Os seres humanos não têm compreendido o verdadeiro significado da função de pensar e mais do que nunca vêm se deixando levar pelos pensamentos de outras pessoas, quase sempre sem qualquer comprometimento com a verdade, com o saber, e assim vão se idiotizando, entrecortados por ideologias e falácias, repito, verdadeiros opróbrios que se rebelam contra o conhecimento. É triste ver esse estado de degradação humana, onde o egoísmo exacerba-se e a solidariedade social definha, e não se confunda solidariedade social com mera doação de bens materiais, como se isto fosse o apanágio da libertação daqueles que cotidianamente têm praticado atos ignominiosos.
As redes sociais, assim, ao tempo em que avançaram em prol do desenvolvimento material e da comunicação de massa, justificando-se como instrumentos dos mais democráticos, terminaram por se transformar também na maior arma ideológica contra a vida em sociedade, dentro de um Estado Democrático de Direito. E é por isso que está havendo essa dilaceração social e as pessoas de bem que ainda existem, assim como os que exercitam a faculdade de pensar em sua plenitude, oprimem-se entre fake news e partidarismos dicotômicos ultracontrastantes, onde muitas vezes o que menos importa é o interesse social, justamente aquele que deveria ser protegido pela Democracia.
Mas a própria Democracia sofre ataques ferrenhos pelas redes sociais, deixando-se de lado o respeito e esquecendo-se que é no próprio Estado de Direito onde se encontram os instrumentos para se combater as pessoas que cometem perjúrio durante as campanhas eleitorais. Ao atacar as instituições democráticas se está em verdade atacando a Democracia, até porque as instituições não são as pessoas que delas fazem parte, mas sim, se formam pelos seus princípios, seus fundamentos e seus objetivos. Não são as instituições que se desviam, mas sim as pessoas que as comandam. Então, estas (as pessoas) é que precisam mudar, mas sempre se respeitando o estabelecido democraticamente.
O povo pode e deve ir às ruas protestar contra aqueles que não estão cumprindo o mister para o qual foram incumbidos, pode exercer também sua insatisfação pelo voto, exigir que as instituições sejam eficazes, e tudo isto faz parte de um modelo democrático, mas o povo não pode (ou pelo menos não deveria) demandar pelo fim das instituições em si, pois estas são o próprio sustentáculo da Democracia.
Quando as instituições não mais servirem, não mais forem úteis, tampouco a Democracia o será, residindo aqui o mais grave que uma sociedade poderia ter que enfrentar. É nesse aspecto que as redes sociais também têm prestado um desserviço à sociedade, sendo necessário que mecanismos sejam encontrados para se coibir esse abuso perpetrado de forma indiscriminada.
Chamo a atenção, porém, das pessoas, para que reflitam sobre o que efetivamente querem para o seu país, sem ideologias, sem partidarismos, sem interesses unicamente individuais e que através da verdade seja descortinado um movimento social constante em prol do desenvolvimento de toda uma sociedade, pautado ainda no trabalho, na liberdade de iniciativa e na solidariedade social. Também aos que estão à frente das instituições. Que repensem suas ações, suas condutas, que sejam verdadeiramente homens e mulheres que defendem o Estado Democrático de Direito e as instituições que representam, sem defraudá-las e sem tergiversar com a verdade, buscando com a consciência tranquila construir um porvir mais auspicioso para todos.
**Texto publicado originalmente no Jornal O Dia no dia 24 de dezembro de 2020