Há alguns anos venho tratando dessa relação entre o público e o privado, demonstrando a necessidade de que haja uma verdadeira integração (uma simbiose positiva) entre ambos, se se quer de fato superar as crises que afetam o Estado e as Empresas. Essa discussão sobre a supremacia de um sobre o outro, no meu modo de ver já se encontra superada, sendo que este embate é extremamente prejudicial e não leva a lugar algum.
Todavia, na contramão desse pensar, deparei-me com um Decreto do executivo estadual do Piauí, em que tenta ajustar as contas do Estado, ao tempo anula eventuais saldos de empenhos e estabelece que produtos e serviços adquiridos, mas ainda não liquidados, devem ter seus fornecimentos suspensos. Não vou aqui esmiuçar o Decreto em si. A intenção é mais chamar a atenção para a relação que deve existir entre o Estado e as empresas.
É preciso, porém, que alguns pontos sejam analisados, sendo o primeiro deles o fato de que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e como tal está adstrito à legalidade dos atos a serem praticados, seja por parte do cidadão comum ou da iniciativa privada, que podem fazer tudo o que a lei não proíba, seja pelo Estado, que só pode fazer aquilo que a lei determina.
O segundo ponto, que remonta ainda ao Direito Natural, ou mesmo ao Direito Romano, se preferir, é que os contratos devem ser cumpridos, e é por isso que todas as pessoas trabalham para poder cumprir com suas obrigações, com seus compromissos financeiros assumidos. E assim, pagam mensalmente pela água e energia elétrica que consomem; pelo pão que compram na padaria da esquina; pelo colégio dos seus filhos; pela roupa que estão vestidos, enfim. E quando estas obrigações não são adimplidas, as consequências se fazem logo presentes: corte de água e energia, nome inscrito no SPC, cartas de cobrança, etc. Também não são poucos os adjetivos que são imputados aos que não cumprem com seus compromissos: caloteiro e velhaco são alguns conhecidos exemplos. Mas e quando é o Estado o que não cumpre com suas obrigações? Antes de responder a este questionamento, todavia, urge que se responda: Quais são as obrigações do Estado? Estes são os dois outros pontos que quero abordar.
O Estado, em resumo, possui duas obrigações: uma para com o cumprimento de sua missão institucional, que a própria Constituição da República determina, que a prestação dos serviços básicos à população, como saúde, segurança, lazer e educação, por exemplo; outra obrigação é aquela que assume ao contratar a iniciativa privada para a realização de atividades que não realiza (ou não pode realizar) diretamente como, por exemplo, a construção de uma ponte ou de uma estrada, a aquisição de carteiras escolares, de equipamentos médicos e hospitalares, veículos, computadores, etc.
No que tange à primeira obrigação referida acima, não precisar ser versado em ciência social, política ou econômica, para compreender que o Estado encontra-se em situação de insolvência total. De fato, quando o cidadão deixa de sair à rua por medo de sofrer alguma violência contra a sua pessoa, ou quando não consegue ser atendido em um hospital público, para citar apenas estes dois pontos, é porque o Estado não garante nem segurança e tampouco saúde à população.
Não se pode esquecer que o Estado, para cumprir com suas obrigações, arrecada impostos de toda a sociedade e cobra taxas por alguns dos serviços que presta, sendo o Brasil um dos países que possui a mais elevada carga tributária do mundo, não se justificando o calote público.
O referido Decreto, todavia, e aqui é o mais grave, demonstra que o Estado, além da insolvência social, também se encontra em situação de falência econômico-financeira, e a medida comprova que, enquanto devedor (mau pagador), ou o Estado age de má-fé ou é mal assessorado, mal administrado.
Em situação de dificuldade financeira, a primeira medida a ser adotada pelas empresas, antes de atrasar suas obrigações, e antes mesmo de deixar de pagar os vultosos impostos, é buscar diminuir os gastos, podar os excessos, enfim, praticar uma política interna de contenção. E o que dizer se, conforme foi divulgado, recentemente, para abrigar um partido político em seu Governo, o Estado criou cargos e secretarias. Quanto não seria economizado se estas secretarias fossem extintas ou fundidas a outras? Quantos cargos comissionados existem para manter privilégios? Quanto dinheiro público é desperdiçado por falta de planejamento e de organização? E quanto dinheiro público o Brasil tem visto sair pelo ralo por conta da corrupção?
O Estado, com este Decreto comete mais um erro grave. Penaliza a seus fornecedores, aos empresários que já sobrevivem com dificuldades, que já suportam a morosidade e desorganização estatal, o custo Brasil, os custos de conformidade, que tem que pagar salários e obrigações sociais, empréstimos, aluguéis, e que muitos ainda têm no Estado o seu principal cliente.
Este malsinado Decreto poderá quebrar estas empresas, gerando desemprego e desencadeando uma crise ainda maior dentro do próprio Estado. Este Decreto inibe a novos empreendedores, a novos investimentos, inclusive de empresas de outros Estados ou mesmo de outros países.
É preciso, pois, que o Estado reconheça que não está só, isolado no mundo. É preciso reconhecer a importância da iniciativa privada como fundamento que é da própria República Federativa do Brasil, por força do que estabelece o artigo 1º , IV, da CF/88 , e que hoje, o público e o privado são um corpo interligado, com muitos pontos de interseção e que por isso mesmo interdependentes. O Estado, com o citado Decreto, se agarra às empresas, à deriva em alto mar: oxalá ambos não afundem!