O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, sacudiu o mundo político brasileiro nesta semana. Em decisão monocrática, Fachin anulou todas as condenações impostas pela Justiça Federal do Paraná ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato. Para o ministro, a Vara de Curitiba não teria competência para julgar os casos porque, à época, Lula era presidente e estava em Brasília. O caso, seria, então, de competência do Distrito Federal. Dentre as principais consequências da decisão, está a recuperação dos direitos políticos do ex-presidente Lula, que se torna elegível novamente.

Para falar mais sobre o assunto, eu conversei com o advogado e professor da UFPI, mestre em Direito e especialista em Direito Constitucional, Berto Igor Caballero, que nos explica sobre os impactos dessa decisão não apenas no cenário político, mas também no jurídico. Segundo o advogado, a decisão do Ministro abre caminho para a anulação de várias outras que estiverem em condições semelhantes a do ex-Presidente. Quanto à segurança jurídica, o advogado é taxativo: “Da mesma forma que podemos entender a decisão como algo prejudicial, tendo passado tanto tempo desde a condenação, podemos entender também que é uma reparação a um erro cometido pelo Judiciário”, pontua.

Abaixo, a entrevista completa.

Berto Igor Caballero (Advogado e professor da UFPI, mestre em Direito e especialista em Direito Constitucional)

 

Campelo Filho: Em primeiro lugar, Dr. Berto, a decisão do Min. Edson Fachin diz que a Vara Federal de Curitiba era incompetente para processar a acusação contra o ex-presidente Lula. Explique para nós como se dá essa questão das competências de cada órgão jurisdicional.

Prof. Berto Caballero: A Constituição brasileira sustenta um importante princípio que deve ser aplicado a todos os processos, que é o princípio do Juízo Natural. Segundo este princípio, o juiz competente para julgar uma causa deve ser originariamente definido pela Constituição e, posteriormente, por leis como o código de processo penal ou de processo civil, a depender do caso. No primeiro momento, fixou-se a Vara Federal de Curitiba como competente para os julgamentos dos crimes relacionados à Lava Jato, tendo em vista que a investigação iniciou pelo trabalho dos Procuradores da República no Paraná. Assim, todos os processos conexos com essa investigação foram encaminhados para a vara de Curitiba. Acontece que inúmeros outros crimes, investigados pelos Procuradores da República de outros Estados, também foram distribuídos para a Vara Federal de Curitiba. Isso gerou a uma série de questionamentos quanto à competência daquele juízo, pois o STF tem o entendimento consolidado de que a competência é fixada de acordo com o local do fato suspeito. Ou seja, os fatos ocorridos em locais diferentes, com desdobramentos diferentes, não podem ser reunidos para serem julgados no mesmo lugar.

Campelo Filho: Algo que tem sido objeto de muito questionamento diz respeito ao momento em que a decisão foi tomada, inclusive depois de condenação em segunda instância e de várias outras decisões no próprio STF. Por que essa decisão não foi tomada antes?

Prof. Berto Caballero: As primeiras linhas da decisão do ministro Fachin são destinadas justamente para explicar o momento da decisão. Segundo ele, o Habeas Corpus que questiona diretamente a incompetência da vara de Curitiba só foi protocolado no dia 03 de novembro de 2020. Segundo o ministro, o tempo decorrido até a última semana foi o necessário para que ele avaliasse o pedido e pudesse formar sua convicção.

Campelo Filho: Além do restabelecimento dos direitos políticos de Lula, que é o principal ponto da decisão, quais os outros impactos e consequências que podemos ter? Isto não fragiliza o instituto da segurança jurídica em nosso país?

Prof. Berto Caballero: A decisão do Ministro abre caminho para a anulação de várias outras que estiverem em condições semelhantes à do ex-Presidente. Isso pode fazer com que esses processos tenham que refazer muitos passos, podendo chegar a conclusões diferentes. Quanto à fragilização da segurança jurídica, temos uma questão bastante subjetiva. Explico: da mesma forma que podemos entender a decisão como algo prejudicial, tendo passado tanto tempo desde a condenação, podemos entender que é uma reparação a um erro cometido pelo Judiciário. Particularmente, pelos motivos jurídicos expostos na decisão, estou mais inclinado para esta última posição.

Campelo Filho: O STF pode reverter essa decisão? O que podemos esperar, uma vez que a decisão foi monocrática?

Prof. Berto Caballero: A decisão do Ministro Fachin será submetida ao plenário, onde é possível ocorrer uma reversão. Entretanto, o objeto pode ser prejudicado por conta da existência de outro processo questionando a suspeição de Sérgio Moro

Campelo Filho: Sabemos que o STF já iniciou o julgamento sobre uma eventual suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. O que poderá ocorrer caso seja declarada a suspeição?

Prof. Berto Caballero: Este processo é bem mais grave, no sentido de poder produzir consequências muito mais severas que o outro. Isto porque, em sendo declarada a suspeição do ex-Juiz, todos os processos da lava-jato serão anulados, e terão de recomeçar do zero. Sendo reconhecida a suspeição, o Habeas Corpus em que o Ministro Fachin deu a decisão também perderá o seu objeto, tendo em vista que a suspeição é, em termos simples, mais grave que a incompetência por território.

*Texto publicado originalmente na Coluna do Jornal O Dia no dia 13 de março de 2021.