Ética possui um significado que vem sendo apropriado indistintamente nos diversos grupos sociais e políticos. Em que pese o conceito de ética ter estreita vinculação filosófica e moral, o senso comum a tem definido (inconscientemente?) com o significado de conduta a ser seguida por todas as pessoas de um grupo comum, independente dos princípios que o compõe. Kant, porém, ainda no século XVIII, ao tratar sobre ética, explicita uma ética universal, estabelecendo-a como um princípio da moral que pode ser aplicado a todas as questões morais, não a particularizando.
A questão é que nos dias hodiernos quando se diz que alguém agiu eticamente é por que agiu conforme a disciplina do grupo a que pertence, como se a ética pudesse ser fragmentada de tal forma que se pudesse referir a ela diante de grupos não éticos, como uma ética às avessas, já que não se pode falar em ética dentro de um espaço aético por natureza.
Como falar, por exemplo, em ética do crime ou ética do terrorismo? Seria possível haver ética nesses espaços?
Como falar, por exemplo, em ética do crime ou ética do terrorismo? Seria possível haver ética nesses espaços?
E na política, existe ética? Ora, o que se espera de um político é que efetivamente defenda, enquanto tal, os interesses da sociedade, consubstanciados naquilo que se tem como sendo o melhor para o povo que representa, sem desvios de conduta e sem utilizar indevidamente de qualquer bem público, seja para si, seja para outrem, posto que deva defender sempre àqueles interesses coletivos. Ocorre que tal conduta do político (este dever-ser) espera-se de toda e qualquer pessoa, mas especialmente dele enquanto no exercício de uma função eminentemente pública.
Pelo conceito Kantiano, dessa forma, a ética está ligada a um modus agendi padrão que não atente contra preceitos morais, não podendo haver ética, nesse aspecto, fora do âmbito da moral.
No que tange aos políticos, o que tenho visto é a prática de uma ética que se submete mais aos preceitos de interesses pessoais e político-partidários e menos aos interesses sociais, não se questionando sobre a existência do necessário caráter moral. E não é por menos que abertamente se debate sobre troca de funções por apoio político.
Basta observar quantos Secretários Municipais e de Estado, ou Ministros de Governo, são políticos eleitos que ao serem nomeados para cargos no Executivo abriram espaço para que políticos não eleitos pudessem ocupar vagas no Legislativo! Uma conduta espúria legitimada por uma ética político-partidária.
Entre os criminosos também há uma “ética” que impede que um denuncie o outro (o seu comparsa), sob pena de ser taxado de dedo-duro, inclusive sendo punido por isso com a pena de banimento da facção criminosa ou mesmo de morte.
Unindo-se os pontos, e o leitor atento já percebeu onde quero chegar: é que a ética do crime e da política vem sendo seriamente ameaçada pelo instituto da delação premiada. Políticos e empresários, ao se depararem com a possibilidade de serem condenados na Operação Lava Jato, têm contado à justiça o que sabem (e talvez até o que não sabem), denunciando políticos (seus comparsas) em troca de benefícios, tais como a própria diminuição das suas penas. Estes denunciantes são taxados nos bastidores da politicagem de dedos-duros, mentirosos, embusteiros e traidores, posto que não respeitaram nem a ética política da camaradagem e tampouco a ética do crime.
José Dirceu, condenado como chefe do Mensalão e condenado no processo da Lava Jato, todavia, mantém-se firme, incólume no cumprimento de sua pena de mais de trinta anos de cadeia, sem permitir que nada, nem a sua própria liberdade, atente contra a ética da política e do crime. É um exemplo de quem respeita a ética dos grupos a que pertence.
Poderia, assim, José Dirceu ser considerado o mais ético dos brasileiros desde que eu pudesse chamar de ética as suas condutas dentro dos grupos que participaram da prática de crimes que colocaram o Brasil na maior crise política, social e econômica da sua história. Mas seria impossível, salvo numa ética às avessas como explicitei. Na realidade, a ética só pode ser validada como tal se estiver necessariamente inserida sob o invólucro de ambientes e grupos que tenham valores morais como seus princípios.