Engana-se quem pensa que a situação vivida nos últimos dias pelos brasileiros decorre da greve dos caminhoneiros. Pensar assim é fazer uma análise muito estreita da situação, é enxergar apenas um dos aspectos do verdadeiro problema, que em verdade é macro, indo muito além da revolta de uma classe de trabalhadores. Em verdade, a greve dos caminhoneiros representa uma das gotas que se somou a tantas outras já existentes no copo chamado “condução da política no Brasil”.
Efetivamente, os erros cometidos pelos que estão no comando político do país ao longo deste século, que não chegou sequer ainda ao seu primeiro quarto, já comprometem metade dele, ou seja, nem nos trinta anos seguintes se conseguirá resolver os problemas que foram criados por uma administração pública inescrupulosa, sem ética e sem espírito público. Ao contrário, os políticos no poder, em sua maioria, são individualistas e estão preocupados unicamente com o próprio bem estar. Ouso afirmar, mesmo sem um estudo ou uma base estatística aprofundada, mas tamanho o abismo social existente, que os direitos sociais de algumas gerações já estão comprometidos,pois não terão como ser atendidos, já que não haverá recursos financeiros disponíveis para investimentos nessa área, que historicamente sempre é a mais sacrificada. Neste caso, os índices comprovam sobejamente esta última afirmação, bem como a própria realidade caótica estampada na educação, na saúde e na segurança, enfim.
A greve dos caminhoneiros, todavia, teve o condão de mostrar ao Brasil a imensa interligação que há entre todos os setores que compõe a tessitura social de um país, mas penso que três foram os principais aspectosa se destacar.O primeiro foi o de mostrar à sociedade a sua própria força, a importância de suas profissões, seja qual for, e a dependência que se tem uns dos outros.O segundo, mas não menos importante, foi mostrar também como um governo pode ser questionado sem violência, sem vandalismos e organizadamente, enquanto o terceiro aspecto foi o de dizer ao governo que esse modelo político está ultrapassado e precisa ser urgentemente modificado. Talvez esta última seja a maior lição.
A reclamação contra o preço do combustível foi apenas a faísca que se utilizou para acender o estopim que a cada dia crescia mais e mais, e ainda cresce. Os governantes não podem mais se sustentar encastelados em seus gabinetes, refestelando-se com a coisa pública, como se vivesse ainda na Idade Média reinando em algum Estado absolutista, afinal o parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal de 1988 estabelece expressamente que “Todo o poder emana do povo…”.
A greve dos caminhoneiros, à medida que o estopim avança, vai tocando nas demais gotas e as despertando da letargia que até certo ponto é natural na cultura do povo brasileiro eesse movimento poderá ser a pedra de toque capaz de fazer gerar uma energia cinética com consequências muito mais graves do que as que até então foram provocadas. A conscientização do poder do povo pelo povo, tal qual como previsto constitucionalmente, pode ser um marco muito mais importante que a existência da própria Constituição em si.
Disse que até a metade desse século os problemas sociais do Brasil não estarão resolvidos, mas faço uma ressalva, abro uma exceção, ao tempo que faço mais um alerta. Um trabalho sério, voltado diretamente para a educação, para o ensino de qualidade, integral, que preze pela ética, pelo culto aos valores morais e levados, pelo civismo, pelo amor à pátria e afeto ao próximo, é a única forma de desviar a rota do abismo iminente e de se salvar a segunda metade do século. Dito a exceção, faço o alerta: se esse trabalho não for iniciado o quanto antes, o tempo não perdoará e para cada dia perdido hoje se terá fatalmente um dia perdido no amanhã.
Texto publicado originalmente na edição do dia 31 de maio de 2018 do Jornal O Dia.