A guerra da Ucrânia põe em xeque o modelo atual de governança global, questionando a força e a capacidade de gerenciamento e de resolução de conflitos das organizações internacionais, como (e especialmente) a da Organização das Nações Unidas – ONU. Efetivamente, a ONU não foi capaz de evitar a guerra e tampouco tem demonstrado capacidade para encerrá-la. Enquanto isso, milhares de pessoas já perderam suas vidas, muitas delas civis, inclusive crianças. Será que essas organizações internacionais só têm força quando se trata de países pobres ou subdesenvolvidos? Quantas vezes já não foram visto as forças de paz da ONU atuarem em países nessa situação, tais como Afeganistão, Burundi, Haiti, Libéria, República Democrática do Congo e Timor Leste? Por sua vez, grandes potências econômicas como os EUA já invadiram outros países, com argumentos bem questionáveis, para dizer o mínimo, e a ONU quedou-se inerte, inclusive tendo aquiescido com essas invasões.
Agora foi a vez da Rússia que, ignorando a existência da ONU, invadiu a Ucrânia, inclusive com ameaça de que se alguém tentasse interferir as consequências seriam gravíssimas. A impotência das grandes potências, frente à outra grande potência, ficou muito clara nesse episódio. A ONU só tem força quando as grandes potências celebram um acordo de líderes. Do contrário, como agora, tudo não passa de mera retórica para justificar a sua própria existência e legitimação.
Para não ficar apenas nesse fato da guerra, no âmbito do comércio internacional não tem sido muito diferente, quiçá seja até mais frequente. A Organização Mundial do Comércio – OMC – também não demonstra ter forças para impedir que as grandes potências comerciais, como EUA e China, por exemplo, adotem medidas contrárias aos regramentos do comércio internacional. É como se simplesmente ignorassem as regras estabelecidas e criassem regras próprias. Não se pode esquecer que mais recentemente, ainda no governo Trump, os EUA aplicaram sobretaxas em alguns produtos importados, o que gerou uma série de reclamações na OMC de países como Índia, China, Rússia, Japão, Turquia e União Europeia. Os países denunciantes apontaram para uma possível ofensa a diversas regras estabelecidas no âmbito da OMC.
As colocações e reflexões feitas acima se dão pelo cenário atual que vivemos, qual seja, a guerra na Ucrânia. Não se pode negar, todavia, que tanto a ONU quanto a OMC desempenham um papel fundamental na governança global e no relacionamento entre países e povos, especialmente em um mundo globalizado como o atual. A OMC é um instrumento de cooperação internacional e um dos pilares centrais da ordem global, necessário à busca constante de bem-estar e prosperidade em nível global e na colocação de valores fundamentais da democracia liberal e tem entregado bens globais públicos e bem estar, o que é mais que economia; tem entregado os bens públicos de segurança, paz e estabilidade (OSAKWE, 2018). A ONU, por sua vez, tem no seu Conselho de Segurança a responsabilidade de lidar com assuntos referentes à segurança mundial, podendo intervir militarmente em países que estejam em conflitos bélicos, políticos e sociais, ou sob suspeitas de desrespeito aos direitos humanos e ordem internacional de paz.
O que quero pontuar, nesse contexto, é que outros mecanismos de governança global precisam ser estabelecidos, seja aprimorando a atuação dos organismos internacionais já existentes, onde as grandes potências, militares ou econômicas, se submetam incondicionalmente aos regramentos postos, seja criando novos modelos, novos organismos, com mais força e poder. Não há dúvida que a guerra da Ucrânia traz à tona uma fragilidade do modelo de governança global atual, pondo em xeque a sua força e o seu poder. A cada dia que essa guerra se estende, a cada vítima inocente que perde sua vida, a cada clamor pela paz que ecoa pelos quatro cantos do mundo, mais esse modelo vai perdendo o seu sentido, emergindo daí a necessidade de uma nova ordem.