A proteção de dados pessoais entrou para o rol de direitos e garantias fundamentais no Brasil em fevereiro de 2022 por meio da Emenda Constitucional (EC) 115/2022. O texto também conferiu à União a competência exclusiva para legislar sobre o tema, permitindo maior segurança jurídica ao país na aplicação da LGPD.
Eu acompanhei todo esse debate como membro do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD), órgão consultivo que integra a estrutura da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD no Brasil. Para mim, que sigo estudando e debatendo o assunto, esse avanço normativo foi uma grande conquista e reflete o reconhecimento da privacidade como um direito fundamental, essencial à dignidade, autonomia e liberdade das pessoas em uma sociedade democrática.
Abordo esse assunto hoje, porque nesta terça-feira, 28, se comemora o Dia Internacional da Proteção de Dados e esse é um tema que nunca deve ser negligenciado, especialmente na atualidade quando vivemos em um mundo cada vez mais conectado e marcado pela hipervigilância digital.
Byung-Chul Han, em A Sociedade da Transparência (2020), ao fazer uma referência a Rousseau e à sua exigência por transparência do coração como sendo um imperativo moral, aduz que a “casa sagrada com cobertura, muros, janelas e portas” é, hoje, de qualquer modo, “transpassada” por “cabos materiais e imateriais” e que desmorona em ruína pelas rachaduras do vento que sopra da comunicação”. Com essa afirmação, Han demonstra a ausência de privacidade no mundo atual, posto “que o vento digital da comunicação e da informação penetra tudo e torna tudo transparente” e que a “iluminação total promete, pois, uma exploração máxima”. (HAN, 2020, p. 103)
O desenvolvimento acelerado da tecnologia – aliado à proliferação da internet, inteligência artificial (IA), algoritmos e Internet das Coisas (IoT) – ampliou a coleta e o uso de dados pessoais a níveis sem precedentes. Shoshana Zuboff, em A Era do Capitalismo de Vigilância (2019), reforça como a exploração de dados alimenta mercados de “comportamentos futuros”, em que a privacidade é comercializada e controlada. Nesse cenário, a hipervigilância digital exerce uma invasão contínua e abrangente na vida das pessoas, promovendo uma “iluminação total” que desnuda a privacidade, desvelando-a de sua essência ética e moral.
A privacidade, enquanto direito fundamental, enfrenta ameaças crescentes à medida que governos, empresas e outras entidades intensificam a vigilância. O compartilhamento de informações pessoais, antes uma questão restrita à esfera individual, tornou-se uma preocupação global, exigindo debates éticos e legais sobre os limites dessa exposição.
E ainda que os avanços tecnológicos tragam benefícios inegáveis, como inovação e conectividade, é imperativo que o direito à privacidade seja respeitado de forma integral, para que se mantenha eficaz diante de desafios contemporâneos. Isso exige uma abordagem multidimensional, envolvendo não apenas o Estado, mas também a iniciativa privada e a sociedade como um todo.
A pergunta que exsurge, então, é: a privacidade (ou o direito) à privacidade morreu? Será que, nos dias atuais, há espaço para restaurá-la como um pilar essencial de uma sociedade democrática e ética? Difícil responder. E mais do que reflexões filosóficas, como as de Han e Zuboff, precisamos de ações concretas na regulamentação do uso de tecnologias, na promoção da educação digital e na conscientização sobre os direitos individuais e coletivos. Quem sabe assim, conseguiremos equilibrar inovação tecnológica com proteção e privacidade de dados e preservação da dignidade humana.