“A cidadania começa pelo alfabeto.” A célebre frase de Ulysses Guimarães – dita na promulgação da Constituição de 1988, em 5 de outubro – segue atual e necessária à reflexão quando o assunto é educação. Recordei-me dela após ler os dados do novo levantamento do Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional), divulgado na semana passada, que revela que 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais, o mesmo percentual verificado em 2018, ano em que a série histórica da pesquisa, publicada desde 2001, foi interrompida devido à pandemia de Covid-19. O estudo indica que, apesar dos avanços educacionais nas últimas décadas, quase um terço da população jovem e adulta ainda não domina habilidades mínimas de leitura, escrita e matemática para lidar com as exigências da vida cotidiana.

 

Entre os jovens de 15 a 29 anos, outro dado que impressiona: o analfabetismo funcional aumentou nessa faixa etária, passando de 14% em 2018 para 16% em 2024, evidência clara de um sistema educacional que falha em garantir aprendizagem efetiva, mesmo quando há acesso à escola.

 

O Inaf 2024 foi coordenado pela Ação Educativa e consultoria Conhecimento Social, em parceria com a Fundação Itaú, Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, UNESCO e UNICEF. Ao todo, foram entrevistados 2.554 indivíduos de 15 a 64 anos, entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, em todas as regiões do país.

 

E se o analfabetismo funcional permanece estagnado, os indicadores mostram que, mesmo após um intervalo de seis anos, não houve mudanças significativas no cenário do alfabetismo no Brasil. E mais: alguns indicadores oscilaram negativamente, o que reforça a necessidade de atenção imediata. Segundo a pesquisa, 17% dos que concluíram o ensino médio não dominam competências básicas, e entre os que chegaram ao ensino superior, apenas 24% atingem o nível mais alto de alfabetismo. É igualmente preocupante constatar que somente 10% da população brasileira alcança o nível proficiente em leitura, escrita e matemática.

 

A edição de 2024 também incorporou questões sobre habilidades digitais. Segundo o estudo, 73% dos analfabetos funcionais acessaram a internet nos últimos três meses, mas 60% deles demonstraram dificuldade em realizar tarefas simples que requerem o uso de ferramentas digitais. Portanto, embora as tecnologias digitais ofereçam oportunidades de ampliar o acesso à informação e o desenvolvimento de competências, elas também representam barreiras para quem não possui habilidades adequadas de leitura, escrita e interpretação, reforçando a importância de políticas focadas no letramento digital e na superação do analfabetismo funcional.

 

Diante desse cenário tão perturbador, uma constatação se impõe: o analfabetismo funcional é um obstáculo ao desenvolvimento econômico, à justiça social e à democracia. Mas como construir uma nação inovadora, sustentável e produtiva com tamanha limitação no capital humano? Como enfrentar os desafios da desigualdade, da transformação digital e da transição ecológica com um déficit estrutural de letramento e numeramento?

 

Os resultados do Inaf 2024 reforçam a necessidade urgente de políticas públicas eficazes para combater o analfabetismo funcional, especialmente entre jovens, populações vulneráveis e aqueles que, mesmo tendo frequentado a escola, não desenvolveram habilidades adequadas. A inclusão do letramento digital nas estratégias educacionais também é essencial para a inserção plena dos indivíduos na sociedade contemporânea, bem como investimentos em estratégias de recuperação das aprendizagens, garantindo que ninguém seja deixado para trás. Porque, como ensinou Ulysses Guimarães, garantir o acesso à educação é garantir o direito à cidadania. É abrir portas para o conhecimento, para a participação social e para a transformação de realidades.

Estudo completo em https://www.unicef.org/brazil/