Um dia para entrar para a história do país. A corte máxima da justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal – STF, deverá ter decidido sobre uma questão crucial: a prisão de réus condenados em segunda instância fere ou não o estabelecido pela Constituição Federal de 1988, que prevê expressamente que ninguém será considerado culpado senão após o trânsito em julgado da decisão. Ocorre o trânsito em julgado de uma decisão quando dela não cabe mais recurso algum, ou seja, quando não houver mais como se apresentar qualquer recurso que seja. A decisão final da justiça está dada, pois! É o que diz a Constituição, mas Direito é interpretação, é hermenêutica para utilizar uma palavra de maior expressividade.

Assim, o STF, há algum tempo atrás interpretou, com base em princípios de hermenêutica e ainda no direito alienígena, que a presunção de inocência, erigido a princípio constitucional fundamental, se finda com a decisão em segunda instância, relativizando o trânsito em julgado. Desse modo, o trânsito em julgado deve ocorrer quando findam as instâncias que discutem os fatos e não quando findam as questões meramente processuais ou procedimentais, já que apenas estas questões é que poderão(riam) ser levadas às instâncias superiores. Pura falácia, já que as instâncias superiores apreciam fatos todos os dias (quando querem, é claro).

Nesse sentir, o Supremo trouxe para si a responsabilidade por determinar que qualquer que seja o condenado criminal em 2ª instância, deverá este iniciar o cumprimento de sua pena, mesmo ainda na pendência de recursos às instâncias superiores.

Não atinou, todavia, o STF, que em tão pouco tempo teria que (re)examinar esta questão, e isto após muitos condenados já estarem cumprindo pena de reclusão por conta daquele hermenêutico posicionamento. E o que é pior, o Supremo é chamado a decidir novamente com um réu que é nada mais, nada menos, que um ex-Presidente da República, alguém que foi, e talvez ainda seja, a maior liderança popular que este país já viu! O Supremo chamou para si um protagonismo que não deveria existir, enquanto partícipe de um modelo de democracia que preconiza a independência harmônica entre os Poderes.

Mas, o mais grave: O Supremo dividiu o país e as consequências da (nova) decisão ninguém poderá prever, mesmo sabendo que o Brasil é um país de um povo pouco ativo, pouco crítico, e muito mais voltado à acomodação e subserviência. Porém, se se pesquisar a história, facilmente se observará que os seus grandes momentos, sejam trágicos ou não, ocorreram em decorrência de um motivo pontual, isolado, como um pavio de uma vela que se acende pelo crepitar de uma distante fogueira.

O Supremo trouxe ainda para si os males do Legislativo: uma divisão política e ideológica que se escancara a cada nova sessão plenária. Os elementos da idiossincrasia jurídica, da fundamentação constitucional, da razoabilidade e do bom senso, são todos relegados a segundo plano e se submetem ao poder, às vaidades e a outras coisas mais…

Não irei adentar ao mérito, mesmo que este seja o desejo dos que me leem, perdoem-me! Já expressei minha opinião em outros artigos e não é aqui o momento de explorar nenhum pensamento de discórdia. Ao contrário, é preciso que frente à grave situação política, social e econômica pela qual passa o país, todos os brasileiros se unam, que coloquem acima de suas vontades o interesse coletivo, que reflitam sobre o que é mais importante para a sociedade, para a vida.

A Democracia, enquanto modelo ideal, pelo menos até aqui conhecido, deve prevalecer sempre, mas não se pode deturpa-la, não se pode abandoná-la, deixa-la relegada a uma situação de inferioridade, como se não importasse, como se fosse uma mera falácia. Ah! Falácia.

Não sei qual será a decisão do Supremo, até porque escrevo antes dela ocorrer, e assim o faço porque quero trazer uma reflexão apartidária, longe das ideologias e dos interesses pessoais e individuais, mas sei que, independente do resultado, o Poder Judiciário sairá perdendo. A Democracia sairá perdendo, assim como a sociedade, não importa o resultado.

Que sirva de exemplo! E a história serve para isso também. Para que as gerações vindouras aprendam com os erros e com os acertos daquilo que foi feito e vivido pelas passadas. O Supremo erra feio agora, qualquer que seja a decisão que tenha tomado sobre o caso em espeque. É como se tivesse se juntado aos comuns, como se o Direito fosse algo simples e retórico, como se o Direito fizesse parte de uma política que no Brasil se tornou espúria e odienta. Em verdade, a Suprema Corte brasileira perde a oportunidade de ser protagonista, sem necessidade de ter que sê-lo. E isto é algo para os grandes! Que pena que o Poder Judiciário tenha se apequenado tanto nesse episódio.