Por: José de Ribamar Nunes
A Constituição Federal do Brasil completou 30 anos no dia 05 de outubro próximo passado e foi motivo de celebração por todo o país. Instituidora do Estado democrático de Direito e garantidora de diretos e deveres aos cidadãos, trouxe uma nova Era ao país. A questão, porém, é que não adianta ter uma Constituição garantidora de direitos e deveres se na prática não forem efetivamente garantidos. O conteúdo de uma Constituição, uma vez não implementado, se torna mera retórica.
De fato, o art. 1º da Constituição brasileira estabelece, como fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Aqui, não vamos dissecar os conceitos, até porque por demais abertos, mas ouso afirmar que qualquer cidadão brasileiro, por mais leigo que seja, sabe que estes três fundamentos citados estão longe de ser concretizados.
Observe-se que o Brasil, em 2015, possuía um déficit habitacional de 7,757 milhões de moradias, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) baseado na Pesquisa Nacional Pesquisa por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. No segundo trimestre de 2018, faltou trabalho para 27,6 milhões de pessoas no Brasil, segundo informou o IBGE. A ONG Todos Pela Educação, com base nos resultados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgou em abril de 2017 que no Brasil havia 2.486.245 milhões de crianças e jovens (entre 4 e 17 anos de idade) fora da escola. Quanto à saúde, centenas de pessoas morrem diariamente no Brasil por falta de um atendimento médico-hospitalar adequado, carências de UTIs, medicamentos, etc.
Esta triste realidade brasileira faz com que a sua Constituição dita cidadã seja letra morta, afinal, aquilo que deveria lhe dar base e sustentatação, ou seja, seus próprios fundamentos, nunca foram respeitados.
As consequências desse descaso são as mais graves, mas a violência, estampada nos quatro cantos do país, talvez seja a pior delas. Os jovens, fora da escola, ou mesmo em uma escola sem qualidade, são facilmente aliciados pelo crime. Se o Estado não zela por eles, a violência urbana os recruta impiedosamente.
A violência no Brasil ganhou proporções inimagináveis para um país que se diz Democrático de Direito, ou seja, um país onde o poder emana do povo e que tem uma Constituição que estabelece direitos e deveres aos cidadãos.
Como se comemorar, então, 30 anos de uma Constituição retórica, onde os seus fundamentos sequer são observados? A data histórica deveria servir mais como objeto de reflexão do que de celebração. Estes 30 anos mostram menos o sucesso da Constituição do que o seu fracasso. Mais uma triste realidade, enfim, afinal não precisa(va) ser assim! Continua na próxima semana.
É chegada a hora! Nesse domingo (07.10) o povo brasileiro vai mais uma vez às urnas para escolher seus representantes. O momento é bastante delicado e muitas são as incertezas. Há uma clara polarização, que seria extremamente natural se fosse eminentemente política, de ideias e de propostas. A polarização ganhou um viés muito perigoso, já que em seu entorno tem gravitado a intolerância e a incompreensão, não sendo poucas as vezes em que um discurso de ódio foi pronunciado entre os partidários de um e de outro lado.
O ruim disso tudo é que o debate sobre propostas e ideias para superar os problemas do país, como educação, saúde e segurança, por exemplo, ficaram relegados a segundo plano. A polarização empanou a razão de ser de uma campanha eleitoral, cobrindo-a com frases genéricas e de efeito meramente retórico. As paixões impedem uma reflexão lúcida, que exige seriedade e serenidade, comprometendo julgamentos racionais, que são essenciais em um momento de escolha dos representantes políticos da nação.
A polarização eleva o sentido do “Eu” à potência máxima, em detrimento do “nós”, colocando em risco o sentimento de Democracia que deve existir em um Estado que se diz Democrático de Direito. Ao extravasar esse sentimento ao qual me refiro, a própria Democracia se fragiliza e passa a ser questionada como única opção viável para o mundo moderno, abrindo-se espaço para que outros modelos ganhem fôlego, inclusive, o que é pior, com o respaldo de grande parte da população, uma vez polarizada. Eis aí o risco.
Mas a culpa por essa polarização é dos próprios governos democráticos, que legitimamente eleitos, permitiram que houvesse uma erupção de mazelas sociais, que ao lado de um cenário corruptivo, geraram um completo processo de desgoverno. O gigante Leviatã, com sua espada em punho, não mais consegue proteger as pessoas umas das outros e tampouco dos desmandos do próprio Estado inoperante. Bradar que a Democracia é o melhor dos mundos soa por demais estranho aos ouvidos de quem padece na negligência do Estado falido. Isso para dizer o mínimo!
A questão é que a incipiente experiência democrática brasileira não foi suficientemente capaz de mostrar (pelo menos até agora) que o Estado Democrático de Direito não representa uma utopia, mas sim uma realidade necessária e que deve ser perseguida sempre, em qualquer circunstância que seja, até mesmo quando ainda existirem tantas calamidades sociais, como as que vemos cotidianamente no Brasil.
Que nessa noite de domingo, logo após as eleições, já com as apurações encerradas, os candidatos, os políticos eleitos e os não eleitos, possam ser mais conscientes, pensar mais no coletivo, no povo que deseja mudança (afinal, não imagino que possa existir alguém que queira, em sã consciência, o pior para o país) e que se deem as mãos e (re)pensem sobre a importância da Democracia e sobre o Brasil “País do Futuro”.
Na hora de escolher em quem votar alguns únicos fatores deveriam importar. O primeiro deles é subjetivo, em relação à pessoa do candidato, seus valores pessoais, suas ideias e opiniões, assim como sua trajetória de vida profissional, social, familiar e política. O segundo aspecto é objetivo: proposta de governo, aliados e nomes que ocuparão pastas essenciais em sua gestão.
No que tange à vertente objetiva da análise, o eleitor precisa verificar ainda se as propostas são viáveis ou fantasiosas, se são genéricas demais ou se de fato se apresentam como algo factível e específico para efetivamente resolver um determinado problema.
As propostas genéricas demais só podem ser admitidas se acompanhadas de substratos específicos que coadjuvarão para que as (propostas) gerais sejam atendidas. Não se pode, por exemplo, prometer “retomar o crescimento” sem que haja uma explicitação da forma e do modo como esse crescimento será retomado. Muitos poderiam ser os exemplos, às vezes mais intrigantes ainda, como “voltar a ser feliz”.
O eleitor, porém, precisa cada vez mais estar consciente do que significar votar e escolher alguém para dirigir os destinos da nação. Para tanto é necessário que o eleitor busque as informações, analise as propostas e a viabilidade das mesmas, tanto no plano social, quanto econômico e político. Desse modo se pode evitar propostas demagógicas ou mesmo absurdas.
Hoje, dois candidatos disputam a presidência do Brasil em um segundo turno e o que menos se tem analisado são as propostas. Os discursos, cada vez mais inflamados, de ambos os lados, se voltaram para aspectos excludentes e que têm o condão apenas de criar animosidades, intolerância e desrespeito. Tais pontos ultrapassaram o limite da política e passaram a também permear as relações entre as pessoas na sociedade.
O discurso de apoio a um ou outro candidato passou a tomar o rumo da força, não do argumento, das ideias, mas da agressão verbal e física, o que é muito ruim!
Ao que parece os eleitores se encontram numa encruzilhada, tal qual Alice no País das Maravilhas, mas às avessas. Lá, na Obra de Lewis Carroll, ao deparar-se com uma encruzilhada, Alice, sem saber para onde queria ir, perguntou ao Gato aonde aqueles caminhos iriam dar. O Gato respondeu: – Para quem não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve.
O eleitor, pelo que se tem visto, parece se encontrar na mesma encruzilhada de Alice, sem saber aonde o caminho que escolher irá chegar. Todavia, diferentemente de Alice, o eleitor sabe o caminho que quer seguir, mas muito mais pela exclusão do outro que pela certeza do primeiro passo que deverá dar ao confirmar o voto na urna.
A Democracia, pelo menos até o presente momento, é o “modelo” de vida em sociedade mais defendido pelos jusfilósofos, como sendo o mais adequado para se criar uma harmonia social e para evitar-se que haja desmandos por parte dos detentores do Poder Político e Econômico. Todavia, o sistema democrático dos “freios e contrapesos”, a independência e harmonia entre os Poderes Legalmente constituídos, como preconizado por Montesquieu, tem sido mais do que nunca alvo de críticas, especialmente em países como o Brasil, onde a corrupção ganhou um corpo jamais imaginado e que se abrigou em várias esferas, especialmente na política e no setor privado dos grandes grupos empresariais e na maior empresa estatal brasileira, a Petrobrás.
Seria, então, a Democracia o melhor dos mundos para a construção da vida em sociedade? Esta é a pergunta que exsurge e que permite no atual cenário mundial a abertura de espaços para o avanço de pensamentos contrários ao ideal democrático de que “todo o Poder emana do povo”, inclusive pensamentos extremistas, o que é mais grave!
Já não seria esta a razão para a vitória de candidatos como Donald Trump (EUA), Emmanuel Macron (França) e de uma possível vitória de Jair Bolsonaro no Brasil (considerando aqui as últimas pesquisas do IBOPE)? Destaque-se que não se quer discutir sobre se esses governos referidos são (serão) bons ou ruins. Não se pode, nem se quer aqui, fazer exercício de futurologia. Todavia, estes políticos, ninguém pode negar, trazem em seus discursos posições mais de Direita, o que é plenamente válido, ressalte-se, e que passaram a contar com o apoio da maioria da população, o que é perfeitamente legítimo, também! Essa é a análise: tentar dissecar o porquê desse apoio da população aos discursos desses políticos e qual a relação que há com o Estado Democrático.
No caso do Brasil, para se fazer uma delimitação de conteúdo, duas razões parecem óbvias. A primeira é que o discurso da Esquerda perdurou por cerca de quinze anos, enquanto esteve no Poder, e o país encontra-se em um total caos social, onde a violência impera, a educação é de baixa qualidade e a saúde calamitosa, para citar apenas estes aspectos e para não falar dos “mensalões” e das “lava-jatos”. A segunda, é que o discurso de Centro tem se assemelhado ao do “melhor interesse individual”, ao dos “sem opinião”, tendo caído no descrédito da população, isso também sem falar no envolvimento de “centristas” com a corrupção.
Nesse sentido, o apoio da população aos discursos mais de Direita parecem “necessários”. É como o último suspiro do moribundo que não tem mais para onde apelar e que enxerga na promessa de recuperação uma tábua de salvação, mesmo feita por alguém cujo saber científico é uma incógnita e mesmo sem saber se a tábua é de ferro ou de bambu.
Mas isso é Democracia! Não é só o voto, mas principalmente o direito de opinar, de mudar e de decidir os rumos que quer dar ao país. É o direito de permanecer na embarcação prestes a afundar, mas acreditando que irá resistir, ou de pular em direção à tábua que aparece no horizonte, sem saber se é ou não uma miragem! Democracia é o direito de ter liberdade de fazer escolhas, certas ou erradas. Apenas na Democracia há essa liberdade e não se pode abrir mão dela!
O grande problema, nesse momento, é que o próprio povo, esquecendo-se do direito à liberdade que a Democracia proporciona, começa a desrespeitar a opinião do outro e, à base da força, quer impor a própria! Este é o risco da polaridade ideológica irracional, onde as ideias se retraem face à intolerância mútua. O ilogicismo do discurso se torna secundário frente à necessidade da imposição do pensamento a qualquer custo. A linguagem do desrespeito toma o lugar do debate propositivo. É isto o que coloca em risco a Democracia, não a liberdade de opinião e de escolha!
Essa irracionalidade discursiva que se tem visto ultimamente no Brasil, especialmente pelas redes sociais, é a ferida aberta no seio da Democracia. É o câncer que a coloca em perigo e que não se tem conseguido identificar, mas que nem por isso deixa de existir e de carcomer o que se tem de mais precioso em qualquer Estado Democrático, a sua base de sustentação. Mas a liberdade só pode existir se houver respeito e tolerância, de uns para com os outros e do Estado para com o seu povo. A liberdade sempre é uma via de mão dupla, jamais um estrada só de ida.
O brasileiro que irá às urnas para a escolha do futuro presidente precisa compreender o risco que a Democracia corre ao não se respeitar a opinião do outro, ao levar o debate para o campo da intolerância. A atitude de respeito às opiniões e às escolhas, além de representar o mais básico de uma educação, demonstraria a maturidade democrática do brasileiro e, tal qual a luz do sol que emerge incólume todos os dias, jogaria uma pá de cal sobre a escuridão que um modelo de Estado não democrático poderia representar.
Maurice Joly escreveu esses Diálogo No Inferno – Entre Maquiavel e Montesquieu para criticar o regime autoritário de Napoleão III e suas estratégias para se manter no poder. Na obra, os autores de O príncipe e O espírito das leis, mais de um século distante entre si, se encontram no inferno e discutem suas opiniões. Excelente leitura!