
Segundo o artigo 1º da Constituição Federal de 1988, o Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, tendo o artigo 2º estabelecido que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. É certo, porém, que a independência desses poderes não é absoluta, encontrando limites estabelecidos na própria Constituição, sendo permitido fazer apenas aquilo que ela (Constituição) determinar. Ao Poder Legislativo cabe, dentre outras funções, fazer as Leis que devem reger a vida em sociedade, estabelecendo condutas, direitos e deveres, mas respeitando sempre os limites e determinações da Constituição Federal. Assim, nesse sistema de democracia constitucional, ao Supremo Tribunal Federal – STF cabe precipuamente a guarda da Constituição, devendo zelar para que as eventuais Leis que venham a ser criadas não a contrariem.
Em levantamento realizado pelo Anuário da Justiça sobre o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) pelo STF em 2017, de cada dez leis analisadas, oito delas foram declaradas inconstitucionais, parcial ou totalmente. Os vícios que culminaram com as inconstitucionalidades são principalmente os que dizem respeito à forma com que foram editadas, mas muitas também têm relação com o conteúdo. Em fevereiro de 2018, de acordo com dados do STF, havia 2.040 ADIs em tramitação na corte, pasme!
É preciso observar que o STF não age de ofício, ou seja, só declara a inconstitucionalidade de uma lei se for provocado, na forma do que também estabelece a Constituição Federal, sendo possível, pois, que existam inúmeras inconstitucionalidades não declaradas pelo país, considerando que há ainda as assembleias legislativas estaduais e câmaras municipais fazendo leis todos os dias, isso sem contar a competência legislativa no âmbito dos governadores de estado e de prefeitos municipais.
A reflexão que fazemos, aqui, se relaciona com a habilidade dos legisladores brasileiros de fazerem leis, afinal como se conceber uma estatística negativa tão elevada no âmbito do Poder Legislativo, quando cada senador, deputado federal, estadual ou vereador conta em seus gabinetes, uns mais outros menos, com uma plêiade de assessores e com toda uma estrutura das casas legislativas, formadas por profissionais das mais diversas áreas, prontos para emitirem pareceres, orientações técnicas, enfim.
Se esses legisladores fossem empregados de uma empresa privada por certo muitos já estariam desempregados, seja por produzirem pouco, seja por produzirem mal ou equivocadamente, como por ocasião da elaboração de leis inconstitucionais. A questão, todavia, é que enquanto empregados do povo, foram escolhidos através das urnas, não tendo como demiti-los por incompetência, tal qual ocorreria se se tratasse de algum empregado qualquer.
Ainda trazendo a empresa privada como analogia, se um empregado no exercício de sua atividade causar dano a terceiro, a empresa será responsável pela indenização, não interessando a qualidade do empregado contratado, considerando ser problema da empresa se contratou mal. É a chamada culpa in eligendo ou simplesmente culpa pela escolha. À empresa fica a possibilidade de imediatamente demitir o empregado que não agiu bem!
Quando o povo escolhe mal seus governantes e estes agem mal, legislando sem observar sequer as regras de legislação, a culpa in eligendo atua perfeitamente também, e o povo arca com os prejuízos que são causados pelo legislador, mas diferentemente do que ocorre na iniciativa privada, o povo não tem como demitir o mau legislador imediatamente. É que a demissão só poderá ocorrer nas urnas, de quatro em quatro anos.
Não se pode esquecer que uma lei mal feita pode trazer sérios e graves prejuízos, inclusive e especialmente prejuízos sociais. Leis podem retirar direitos conquistados, usurpar competências, fechar escolas ou hospitais. São variadas as consequências, sendo essencial que o povo as compreenda efetivamente.
Defendemos que o povo tenha o direito, tal qual ocorre na iniciativa privada, de demitir aquele político que uma vez eleito não corresponda às expectativas. Seria importante fossem fixadas metas aos eleitos, fossem analisadas as propostas das campanhas e cobradas o cumprimento delas.
Eleger não pode significar um cheque em branco, uma procuração com poderes absolutos, muito menos a impossibilidade de revoga-la tão logo seja preciso. Da mesma forma as urnas não podem ser um escudo de proteção, um colete à prova de tudo, inclusive em face do povo, que em verdade é (deveria ser) o verdadeiro dono do Poder, afinal é a própria Constituição Federal que estabelece que todo o poder emana do povo.
Nesse diapasão, o povo deve compreender que ao escolher legisladores ruins está assumindo uma responsabilidade muito grande, da mesma forma que uma empresa que contrata um empregado negligente ou incompetente, com a diferença de que o empregado pode ser demitido a qualquer tempo.
Um dia para entrar para a história do país. A corte máxima da justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal – STF, deverá ter decidido sobre uma questão crucial: a prisão de réus condenados em segunda instância fere ou não o estabelecido pela Constituição Federal de 1988, que prevê expressamente que ninguém será considerado culpado senão após o trânsito em julgado da decisão. Ocorre o trânsito em julgado de uma decisão quando dela não cabe mais recurso algum, ou seja, quando não houver mais como se apresentar qualquer recurso que seja. A decisão final da justiça está dada, pois! É o que diz a Constituição, mas Direito é interpretação, é hermenêutica para utilizar uma palavra de maior expressividade.
Assim, o STF, há algum tempo atrás interpretou, com base em princípios de hermenêutica e ainda no direito alienígena, que a presunção de inocência, erigido a princípio constitucional fundamental, se finda com a decisão em segunda instância, relativizando o trânsito em julgado. Desse modo, o trânsito em julgado deve ocorrer quando findam as instâncias que discutem os fatos e não quando findam as questões meramente processuais ou procedimentais, já que apenas estas questões é que poderão(riam) ser levadas às instâncias superiores. Pura falácia, já que as instâncias superiores apreciam fatos todos os dias (quando querem, é claro).
Nesse sentir, o Supremo trouxe para si a responsabilidade por determinar que qualquer que seja o condenado criminal em 2ª instância, deverá este iniciar o cumprimento de sua pena, mesmo ainda na pendência de recursos às instâncias superiores.
Não atinou, todavia, o STF, que em tão pouco tempo teria que (re)examinar esta questão, e isto após muitos condenados já estarem cumprindo pena de reclusão por conta daquele hermenêutico posicionamento. E o que é pior, o Supremo é chamado a decidir novamente com um réu que é nada mais, nada menos, que um ex-Presidente da República, alguém que foi, e talvez ainda seja, a maior liderança popular que este país já viu! O Supremo chamou para si um protagonismo que não deveria existir, enquanto partícipe de um modelo de democracia que preconiza a independência harmônica entre os Poderes.
Mas, o mais grave: O Supremo dividiu o país e as consequências da (nova) decisão ninguém poderá prever, mesmo sabendo que o Brasil é um país de um povo pouco ativo, pouco crítico, e muito mais voltado à acomodação e subserviência. Porém, se se pesquisar a história, facilmente se observará que os seus grandes momentos, sejam trágicos ou não, ocorreram em decorrência de um motivo pontual, isolado, como um pavio de uma vela que se acende pelo crepitar de uma distante fogueira.
O Supremo trouxe ainda para si os males do Legislativo: uma divisão política e ideológica que se escancara a cada nova sessão plenária. Os elementos da idiossincrasia jurídica, da fundamentação constitucional, da razoabilidade e do bom senso, são todos relegados a segundo plano e se submetem ao poder, às vaidades e a outras coisas mais…
Não irei adentar ao mérito, mesmo que este seja o desejo dos que me leem, perdoem-me! Já expressei minha opinião em outros artigos e não é aqui o momento de explorar nenhum pensamento de discórdia. Ao contrário, é preciso que frente à grave situação política, social e econômica pela qual passa o país, todos os brasileiros se unam, que coloquem acima de suas vontades o interesse coletivo, que reflitam sobre o que é mais importante para a sociedade, para a vida.
A Democracia, enquanto modelo ideal, pelo menos até aqui conhecido, deve prevalecer sempre, mas não se pode deturpa-la, não se pode abandoná-la, deixa-la relegada a uma situação de inferioridade, como se não importasse, como se fosse uma mera falácia. Ah! Falácia.
Não sei qual será a decisão do Supremo, até porque escrevo antes dela ocorrer, e assim o faço porque quero trazer uma reflexão apartidária, longe das ideologias e dos interesses pessoais e individuais, mas sei que, independente do resultado, o Poder Judiciário sairá perdendo. A Democracia sairá perdendo, assim como a sociedade, não importa o resultado.
Que sirva de exemplo! E a história serve para isso também. Para que as gerações vindouras aprendam com os erros e com os acertos daquilo que foi feito e vivido pelas passadas. O Supremo erra feio agora, qualquer que seja a decisão que tenha tomado sobre o caso em espeque. É como se tivesse se juntado aos comuns, como se o Direito fosse algo simples e retórico, como se o Direito fizesse parte de uma política que no Brasil se tornou espúria e odienta. Em verdade, a Suprema Corte brasileira perde a oportunidade de ser protagonista, sem necessidade de ter que sê-lo. E isto é algo para os grandes! Que pena que o Poder Judiciário tenha se apequenado tanto nesse episódio.
Segundo Gonzalez Pecotche, “adaptar-se é, pois, preparar dentro de si as condições adequadas para que o equilíbrio normal da vida perdure sem modificação, ainda que se modifique a vida tantas vezes seja necessário e o reclamem as circunstâncias.” A adaptação, como ensina a Logosofia, é uma das tantas Leis Universais que existem e como tal, seguindo os princípios que regem este conjunto de Leis, é inexorável e inexpugnável. A Lei de Adaptação pode e deve ser aplicada em todas as circunstâncias que abarquem a vida do ser, seja no ambiente de trabalho, seja em sua vida de relação. Não compreender a atuação dessa Lei implica consequências às mais graves.
Pecotche ensina ainda que, “se aconteceu um fato que obriga a um câmbio, permanecer no mesmo estado ou condição equivale a viver à margem da realidade e, portanto, a sofrer intensamente. Isto é o que sempre acontece quando o homem resiste aos câmbios: daí que brotem por toda parte a dor, as misérias, as angústias, e seja o sofrimento um visitante quase permanente nos corações humanos.”
Quando se pensa no mercado produtivo, seja no âmbito do comércio ou da indústria, por exemplo, é fácil compreender a imposição às mudanças, ou seja, à adaptação. De fato, as tendências de consumo, a inflação, a queda da taxa de juros ou a desvalorização da moeda, impõe que as empresas estejam em constante adaptação se quiserem sobreviver em um ambiente tipicamente competitivo.
Darwin vaticinara, há séculos, que não era o mais inteligente e tampouco o mais forte o que iria sobreviver, mas justamente o que melhor se adaptasse. Claro que o referido cientista estava tratando da evolução das espécies na natureza, mas quem seria melhor que a própria natureza para ensinar o homem?
Há algum tempo presenciado o surgimento do Uber, empresa detentora, hoje, do maior mercado de prestação de serviços de transporte de passageiros do Mundo, e isto sem ser proprietária de um veículo sequer. O Uber, uma novidade no mercado de transporte, coloca em risco a sobrevivência do táxi, modelo secular de transporte de passageiros que até então dominava o mercado. O Uber representa um claro perigo aso taxistas, a ponto de colocar em risco a existência da própria profissão de taxista.
Ao que parece, os táxis dominavam o mercado e, sem concorrência, não se forma se adaptando às próprias exigências naturais de um consumidor cada vez mais exigente e consciente de seus direitos. Quem não tiver alguma queixa contra os táxis que atire a primeira pedra!
Outro exemplo diz respeito às novas alterações na legislação trabalhista no Brasil. É que a Contribuição Sindical, antes compulsória, com a reforma estabelecida pela Lei 13.467/2017, ganhou um novo status e os trabalhadores precisam agora voluntariamente contribuir. A princípio, não deveria ser problema algum, afinal os trabalhadores beneficiários do trabalho dos sindicatos deveriam ter interesse em fazer essa contribuição.
Todavia, se observar que das vinte ações contra a nova lei, ajuizadas no STF, quatorze tratam justamente sobre o fim da compulsoriedade, verifica-se que a coisa não é bem assim, já que os autores dessas ações, Federações e Confederações de trabalhadores, argumentam que a manutenção da referida alteração implicará no fim dos sindicatos.
Seguindo o mesmo aspecto da Lei de Adaptação, acima explicitado, e em face à unicidade sindical existente no Brasil, percebe-se que o “mercado de trabalhadores”, dominado pelos sindicatos, com o fim da compulsoriedade, precisa urgentemente adaptar-se. Antes tarde do que nunca, diz o ditado popular!
Percebe-se que nem os táxis e tampouco os sindicatos foram capazes de perceber as mudanças, as situações novas. Não foram hábeis para sentir o mercado que os mantinham, negligenciando nas necessárias adaptações que se impunham. Talvez agora já seja tarde demais.
Os aplicativos como Uber já se proliferam e o próprio Estado já reconhece a legitimidade dessa nova atividade. Quanto aos sindicatos, estes ainda veem uma luz no fim do túnel nessas ações junto ao STF, a quem caberá a última palavra.
O certo, seguindo esta linha de raciocínio, é que a Lei de Adaptação, mais uma vez citando Pecotche, “é tão inflexível que não admite meio termo entre uma e outra situação: cambia-se ou não se cambia.”