
Segundo Gonzalez Pecotche, “adaptar-se é, pois, preparar dentro de si as condições adequadas para que o equilíbrio normal da vida perdure sem modificação, ainda que se modifique a vida tantas vezes seja necessário e o reclamem as circunstâncias.” A adaptação, como ensina a Logosofia, é uma das tantas Leis Universais que existem e como tal, seguindo os princípios que regem este conjunto de Leis, é inexorável e inexpugnável. A Lei de Adaptação pode e deve ser aplicada em todas as circunstâncias que abarquem a vida do ser, seja no ambiente de trabalho, seja em sua vida de relação. Não compreender a atuação dessa Lei implica consequências às mais graves.
Pecotche ensina ainda que, “se aconteceu um fato que obriga a um câmbio, permanecer no mesmo estado ou condição equivale a viver à margem da realidade e, portanto, a sofrer intensamente. Isto é o que sempre acontece quando o homem resiste aos câmbios: daí que brotem por toda parte a dor, as misérias, as angústias, e seja o sofrimento um visitante quase permanente nos corações humanos.”
Quando se pensa no mercado produtivo, seja no âmbito do comércio ou da indústria, por exemplo, é fácil compreender a imposição às mudanças, ou seja, à adaptação. De fato, as tendências de consumo, a inflação, a queda da taxa de juros ou a desvalorização da moeda, impõe que as empresas estejam em constante adaptação se quiserem sobreviver em um ambiente tipicamente competitivo.
Darwin vaticinara, há séculos, que não era o mais inteligente e tampouco o mais forte o que iria sobreviver, mas justamente o que melhor se adaptasse. Claro que o referido cientista estava tratando da evolução das espécies na natureza, mas quem seria melhor que a própria natureza para ensinar o homem?
Há algum tempo presenciado o surgimento do Uber, empresa detentora, hoje, do maior mercado de prestação de serviços de transporte de passageiros do Mundo, e isto sem ser proprietária de um veículo sequer. O Uber, uma novidade no mercado de transporte, coloca em risco a sobrevivência do táxi, modelo secular de transporte de passageiros que até então dominava o mercado. O Uber representa um claro perigo aso taxistas, a ponto de colocar em risco a existência da própria profissão de taxista.
Ao que parece, os táxis dominavam o mercado e, sem concorrência, não se forma se adaptando às próprias exigências naturais de um consumidor cada vez mais exigente e consciente de seus direitos. Quem não tiver alguma queixa contra os táxis que atire a primeira pedra!
Outro exemplo diz respeito às novas alterações na legislação trabalhista no Brasil. É que a Contribuição Sindical, antes compulsória, com a reforma estabelecida pela Lei 13.467/2017, ganhou um novo status e os trabalhadores precisam agora voluntariamente contribuir. A princípio, não deveria ser problema algum, afinal os trabalhadores beneficiários do trabalho dos sindicatos deveriam ter interesse em fazer essa contribuição.
Todavia, se observar que das vinte ações contra a nova lei, ajuizadas no STF, quatorze tratam justamente sobre o fim da compulsoriedade, verifica-se que a coisa não é bem assim, já que os autores dessas ações, Federações e Confederações de trabalhadores, argumentam que a manutenção da referida alteração implicará no fim dos sindicatos.
Seguindo o mesmo aspecto da Lei de Adaptação, acima explicitado, e em face à unicidade sindical existente no Brasil, percebe-se que o “mercado de trabalhadores”, dominado pelos sindicatos, com o fim da compulsoriedade, precisa urgentemente adaptar-se. Antes tarde do que nunca, diz o ditado popular!
Percebe-se que nem os táxis e tampouco os sindicatos foram capazes de perceber as mudanças, as situações novas. Não foram hábeis para sentir o mercado que os mantinham, negligenciando nas necessárias adaptações que se impunham. Talvez agora já seja tarde demais.
Os aplicativos como Uber já se proliferam e o próprio Estado já reconhece a legitimidade dessa nova atividade. Quanto aos sindicatos, estes ainda veem uma luz no fim do túnel nessas ações junto ao STF, a quem caberá a última palavra.
O certo, seguindo esta linha de raciocínio, é que a Lei de Adaptação, mais uma vez citando Pecotche, “é tão inflexível que não admite meio termo entre uma e outra situação: cambia-se ou não se cambia.”
Semana passada iniciei algumas reflexões sobre os 30 anos da Constituição Federal do Brasil, completados no dia 05 de outubro próximo passado e que foi motivo de celebração por todo o país. Finalizei o artigo aduzindo que não havia o que se comemorar, considerando que os fundamentos da própria Constituição não eram sequer observados. Por isso a alcunhei de Constituição retórica. É que os 30 anos mostravam menos o sucesso da Constituição do que o seu fracasso.
Ontem, corroborando com o meu pensamento, que em verdade traduz apenas uma realidade triste que está aí, infelizmente, exposta às escâncaras, o IBGE divulgou que em 2016 havia no país 52,8 milhões de pessoas em situação de pobreza no país, tendo aumentado para 54,8 milhões em 2017, o que representa 26,5% da população total do Brasil. A população na condição de pobreza é de rendimento inferior a US$ 5,5 por dia, o que corresponde a aproximadamente R$ 406 por mês.
A pesquisa divulgada pelo IBGE vai mais além. Quanto à linha de pobreza extrema, que corresponde a quem dispõe de menos de US$ 1,90 por dia, o que equivale a aproximadamente R$ 140 por mês, a população aumentou de 13,5 milhões para 15,3 milhões no mesmo período.
O mais agudo do meu argumento tem por fundamento a própria Constituição, que em seu artigo Art. 3º, III, da Constituição de 1988 estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a erradicação a pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. Observa-se, pelos números divulgados pelo IBGE, que se está muito longe, mesmo passados 30 anos, de se atingir estes nobres objetivos. Como, nessas condições, não reconhecer que a Constituição Federal de 1988 travestiu-se de mera retórica?
O ponto nevrálgico, e já fiz algumas referências no artigo anterior, é que a culpa pela retórica da Constituição não é dela, até porque a Constituição, apesar de escrita, para ganhar vida, para ser implementada, necessita de homens e mulheres comprometidos e dispostos a fazer com que os comandos contidos no texto extrapolem o mero conteúdo linguístico e ganhem expressão fática e real na sociedade que ela (deve) regulamenta(r). Se isso não ocorrer, efetivamente, a Constituição não passará nunca de uma mera retórica, de uma falácia que serve apenas de enfeite para Inglês ver.
Por isso finalizei o artigo anterior afirmando que não precisa(va) ser assim. É que se as pessoas que estavam obrigadas a fazer cumpri-la tivessem implementado os seus comandos, fundados em seus princípios e buscando atingir os objetivos nela consubstanciados, não apenas a Constituição seria outra, mas a própria sociedade, o Brasil mesmo seria outro, não tenho dúvidas, e os dados divulgados pelo IBGE teriam outra natureza e expressividade. Aí sim, haveria o que ser celebrado pela passagem de seus 30 anos.
O certo é que enquanto a Constituição não for efetivamente cumprida, nada se poderá comemorar. Haverá apenas a retórica falaciosa de seus belos objetivos e o choro ao fundo de uma sociedade cada vez mais pobre e desigual.