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A Proteção de dados e a liberdade de expressão: a vigilância líquida nas redes sociais

*Por Fernanda Abreu,  jornalista e advogada,

Ouvidora-Jovem da OAB/PI

 

O mundo virtual deixou de ser apenas um espaço de interação entre pessoas e de divulgação de momentos com amigos e familiares e tornou-se também um ambiente de negócios. Esse ambiente se tornou uma fonte eficaz de obtenção de informação, pois possibilita o registro de praticamente todos os dados da vida cotidiana, sendo que o armazenamento destes dados e as interferências por eles geradas são desconhecidos.

O avanço tecnológico ampliou as possibilidades de controle e vigilância. Esse cenário já foi apontado faz tempo. O filósofo francês Michel Foucault utilizou a arquitetura de uma prisão para explicar o princípio do panóptico, em que é possível instalar nas pessoas o sentimento de constante vigilância sem necessariamente ver quem o vigia.

Mais recentemente, Zygmunt Bauman lança a ideia de pós-panóptico e de vigilância líquida para explicar a sociedade contemporânea. No pós-panóptico não há mais qualquer necessidade de um olhar centralizador para nos sentirmos vigiados. Não podemos mais ver claramente os pontos de vigilância. Somos controlados e vigiados a cada movimento. A disciplina se dá a partir da disposição do próprio ser. Deixar-se vigiar é uma questão de segurança própria.

Por outro lado, mudanças trazidas pela Lei Geral de Proteção de dados – LGPD e pelas redes sociais para nossas formas de interação e como estas se tornaram uma parte principal em uma sociedade tanto pelo mercado consumidor como pelo corporativo. A exposição de dados na era virtual gera uma fonte inesgotável para a vigilância líquida, pois todo e qualquer rastro de uma pessoa é passível de ser identificado e capturado a qualquer momento.

As empresas têm procurado ter mais cautela na obtenção de informação do individuo através do banco de dados. Com cada vez mais dados sendo coletados com o nosso consentimento, o desconhecimento do limite que esses dados vão interferir nas nossas escolhas futuras geram certa confiança em digitar números de CPF, identidade e outros documentos.

Mas até que ponto nossas informações pessoais se transformam em um tipo de moeda de troca sem suas próprias regras e direitos? Pois cada vez mais, pessoas estão começando a pensar no direito de não divulgar dados, mas os usuários acabam num beco sem saída, pois a única forma de baixar o aplicativo ou programa favorito acaba sendo pela divulgação de dados. O usuário não tem direito de pensar assim “esses dados são meus e eu devo decidir como são usados, e talvez eu deva ser pago pra isso”.

Viver numa sociedade sobre crescente vigilância faz nos pensar nas relações de troca e reciprocidade. Como o consentimento é a base da LGPD, em algumas situações será necessária a realização da renovação do consentimento quando houver mudanças no modo do tratamento ou quando se tratar do tratamento de dados sensíveis do consumidor.

Bauman é responsável pela ideia de modernidade líquida. Ele vai dizer que valores importantes para a sociedade como amor e privacidade não possuem mais uma definição tão sólida como em outros tempos. Realça um cenário em que a sociedade exerce um papel de autocontrole e vigilância, desenhado a partir de um movimento concomitante da evolução da tecnologia digital e o advento das plataformas de relacionamento.

Note que há aqui, portanto, um diálogo importante entre a disposição pela exposição da sociedade, o uso das redes sociais e liberdade de expressão. Emitir opiniões, ideias, pensamentos, e usar as redes para o exercício da profissão coloca o indivíduo em evidência e sob vigilância.

No panóptico social, é a própria sociedade que começa a definir seus limites. Isso é visível nos comentários que acompanham todas as publicações feitas diariamente pelos usuários nas redes sociais.

As redes sociais são agentes desse apoderamento da sociedade. É a partir delas que um usuário comum exerce sua tarefa de vigilância sobre os atos dos seus “amigos”. É sobre esse leito que estamos redefinindo a noção de privacidade, por exemplo.

O direito de poder se expressar livremente é de fato irrestrito como preconiza a Constituição Federal? Se a lei veda o anonimato como ponderar o vazamento de dados? A plenitude da liberdade de expressão nunca esteve tão limitada, mas é vital para uma sociedade saudável que este direito seja assegurado em todas as esferas, incluindo aí a vigilância líquida como um mecanismo de freios e contrapesos.

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As redes sociais, a faculdade de pensar e a propagação do bem pelo bem mesmo

Muitas são as críticas feitas às redes sociais, em especial à sua à má utilização. Digo assim porque é uma realidade palpável que as redes sociais têm sido um veículo de propagação de notícias falaciosas e de pensamentos os mais esdrúxulos. Isto, sem falar na exaltação de deficiências como se fossem verdadeiras virtudes, tais como a vaidade, a cobiça, o egoísmo e a falsa humildade, dentre tantas outras, e isto não pode ser confundido com liberdade de expressão, até porque não foram poucas as pessoas já vitimadas pelas redes sociais, inclusive penalizadas com a perda da própria vida, fruto de acusações injustas, inverídicas e fantasiosas, para dizer o mínimo.

Todavia, devo ressaltar que o problema não está nas redes sociais, mas sim no uso que as pessoas fazem delas. Efetivamente, enquanto tecnologia a serviço das pessoas, as redes sociais têm hoje (ou deveriam ter) um importante papel a cumprir, afinal são um veículo de comunicação global extremamente rápido e eficaz.

Mas o que leva uma pessoa a difundir falsas ideias, preconceitos e vilipêndios? Penso que o primeiro aspecto é a ignorância, a falta de conhecimento do mal que pode causar ao semelhante e a si próprio; o segundo é a negligência por não verificar a veracidade das informações que estão sendo divulgadas; e o terceiro aspecto é própria irresponsabilidade de quem abandonou a dádiva da faculdade de pensar, recebida do Criador inclusive como importante fator de distinção do homem em relação às demais espécies existentes.

Considero o terceiro aspecto apontado como o mais grave, pois a faculdade de pensar é a principal das demais faculdades da inteligência, sendo através dela que o homem cria os próprios pensamentos e exerce juízo de valor sobre as coisas e os fatos. Abandonar essa faculdade é o mesmo que negar a própria condição de ser humano.

O homem que não pensa encomenda as rédeas da condução de sua vida a terceiros, sendo isto o que ocorre com aqueles que simplesmente repassam notícias veiculadas pelas redes sociais, sem fazer qualquer análise sobre a verossimilhança delas, muitas vezes sem sequer compreenderem o que efetivamente estão repassando.

É uma pena que cada vez com maior frequência mensagens inescrupulosas sejam divulgadas, sendo que hoje esses tipos de mensagens já superam àquelas que efetivamente dizem algo verdadeiro. É ainda triste ver um instrumento tão importante e necessário, em especial nesses tempos modernos, ser utilizado de forma tão incongruente com a natureza humana, desvirtuando a sua própria utilidade e colocando em risco a própria solidariedade entre os homens.

As redes sociais deveriam ser utilizadas como meio de difusão do conhecimento, como instrumento de intercâmbio de opiniões e de ideias, sempre com o objetivo de se construir algo de bem e de valor para a vida em sociedade. Isso mesmo, para construir, jamais para destruir, como se tem visto às escâncaras.

A utilização positiva das redes sociais deveria ser um dever de cada um e de todos, mas isto só ocorrerá se cada um, individualmente, se utilizar das próprias prerrogativas humanas e começar a exercitar a função de pensar, estabelecendo filtros, eliminando os abusos, e propagando o bem pelo bem mesmo.

Publicado originalmente em agosto de 2018
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Covid-19: Qual a lição para o futuro?

Meu artigo Covid-19: Qual a lição para o futuro? foi publicado nesta sexta-feira, 27, no Jornal Internacional de Pesquisa e Inovação em Ciências Sociais (IJRISS). O material é uma análise sobre as lições que a COVID-19 deveria deixar para a sociedade, especialmente para os governos, sobre as políticas públicas a serem adotadas em situações de pandemia, mas também sobre o momento atual em que ela vai se findando, mas deixando suas marcas e sequelas para toda a humanidade.

Uma discussão, sem dúvida, fundamental e necessária, e que se estende para muito além do debate ideológico e político que se descortinou.

Fazer os governos (e a sociedade) pensarem, de forma mais abrangente, sobre as pessoas, sobre a educação de crianças e jovens e sobre o futuro, sem nenhum viés ideológico, deve ser a principal lição deixada pela COVID 19.

Clique aqui  para ler o artigo completo (Texto em inglês).

 

 

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Necessidade de novas políticas sociais após a crise do novo coronavírus

*Por Raimundo Simão Melo

Procurador Regional do Trabalho aposentado

Passada em grande parte a crise da pandemia do novo coronavírus, o mundo não será mais o mesmo, pelo menos é o que se imagina. Depois dela, com muitas mortes, sequelas da doença, aumento do desemprego, da pobreza e de exclusões sociais, alem de outras consequências, espera-se que o mundo volte um pouco suas políticas para o ser humano. Como já disseram alguns líderes globais, o mundo deverá colocar no centro das atenções o “arrependimento” pelos desacertos sociais ao longo dos anos, uma vez que, se não tivessem demasiadamente desprezado as questões sociais e suporte à saúde das pessoas, as consequências dessa crise poderiam ser menores, como, aliás, ocorreu em alguns países.

Como está sendo visto mundo afora, quem tem melhores condições financeiras se protegeu mais do novo coronavírus, da Covid-19 e de suas graves consequências.

O isolamento social foi, em alguns momentos, recomendação contra o novo coronavírus, como orientou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os cientistas.

Depois de constatarem os grandes estragos humanos decorrentes da pandemia do novo coronavírus, governantes globais passaram a reconhecer, como que fazendo mea culpa, que o maior valor global não é apenas a economia, mas, o ser humano! Oras, será que acordaram!?

A verdade é que será preciso mesmo um novo olhar para o Estado de bem-estar social (ou Estado-providência), tão esquecidos nos últimos tempos, um Estado social como forma de organização políticaeconômica e sociocultural, colocando o Estado como agente da promoção social e organizador da economia.

Será necessário pensar uma nova economia voltada para o bem-estar social de todos e não apenas para enriquecer uns poucos, como ocorre na atualidade. Entre outros líderes mundiais, antecipou nesse sentido o presidente Macron, da França, chamando a atenção dos seus colegas, dizendo que é preciso aumentar a capacidade de consumo, como fator preventivo ao enfrentamento do novo coronavírus, porque ele ataca os mais fracos, desnutridos e velhos e que os olhos dos governantes devem se voltar para o social, em primeiro lugar.

Essas providências são urgentes! A crise do novo coronavírus escancarou e mostrou que grande parte do povo não teve como fazer quarentena, porque nem onde morar adequadamente tinha. A maior parte da população de muitos países não tem saneamento básico e nem o que comer. É só ver a situação dos povos das comunidades nas grandes cidades, com famílias de grande número de pessoas morando em pequeníssimos casebres, sem a menor infraestrutura, sem água e sem sabão sequer para fazerem as recomendadas higienizações. “Durante a crise de Covid-19, cuja higienização é uma das principais recomendações dos órgãos de saúde, um estudo do Instituto Trata Brasil aponta que 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada, além de 100 milhões viverem sem a coleta de esgoto” (acesso em 27/6/2020).

Nesse contexto cabe lembrar e ponderar a relação que existe entre pobreza e trabalho, principalmente os trabalhos precarizados e informais, como vêm avançando mundo a fora, e no Brasil, que degradam as condições humanas.

Portanto, é preciso que todos reflitamos sobre a noção de pobreza como elemento que se articula e reclama por políticas de assistência social dentro da noção de trabalho como elemento fundante da sociabilidade contemporânea e da dignificação da pessoa humana. É o que preconiza, por exemplo, a Constituição Federal do Brasil no artigo 170, quando, ao estruturar a ordem econômica, diz que ela se funda na valorização do trabalho humano, na livre iniciativa e no pleno emprego.

É claro que isso somente será possível quando se entender que as riquezas mundiais devem ser mais bem redistribuídas entre os povos da terra e todos aprenderem um pouco com a crise do novo coronavírus e passarem a compreender que o ser humano está acima de tudo e que políticas sociais são os melhores investimentos para os Estados. Assim, o mundo poderá melhorar e o capital global mudar suas feições mais perversas, especialmente no tocante à grande acumulação de riquezas nas mãos de uns poucos.

Essas reflexões são minhas, são suas, são de todos, e, principalmente, dos governantes, cuja maioria só pensa nos seus interesses pessoais e no encastelamento no poder que ocupa. (CONJUR)

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Troque o ovo de páscoa por um livro

 

Em 19 de abril de 2011, há mais de dez anos, pois, escrevi um pequeno texto contando uma experiência que fiz com meus filhos: havia trocado o tradicional ovo de páscoa por uma visita a uma livraria e compra de um livro. Naquela oportunidade, narrei que a ideia de presentear as pessoas com ovos de páscoa de chocolate remontava ao início do século XIX e que, ancorada pela tradição religiosa cristã, transformou-se em um negócio lucrativo.

Hoje, relendo o referido artigo, vi que nada havia mudado de lá para cá, salvo o preço dos ovos de páscoa, que se tornaram objeto de desejo e de consumo apenas para os mais afortunados. A compra do ovo de páscoa continua a ser uma obrigação imposta à sociedade de consumo e que, alicerçada na tradição irreflexiva, especialmente para as crianças que recebem o presente, não passa de um simples ato, uma obrigação dos pais, avós etc.

Disse, no outro texto de dez anos atrás, que era uma pena que fosse assim. E pontuei mais: “Após uma reflexão mais apurada concluímos que as pessoas não pensam, não refletem, não questionam a si mesmas sobre os seus próprios atos. Deixam a vida levá-las para qualquer lugar, manipuladas como marionetes. Hoje, as crianças, especialmente das classes sociais mais economicamente favorecidas, ganham tantos ovos de páscoa que podem até acumular estoque para o ano seguinte. Não há valor nem sentimental e tampouco religioso (e não sejamos hipócritas), mas puramente de deleite pelo prazer sensorial e gustativo do chocolate, quando não somente do brinquedinho que vem dentro do ovo, ficando tudo o mais em segundo ou terceiro plano, quando não em plano algum. E se empanturram de chocolate e nenhuma reflexão é feita.

Nada contra a sociedade de consumo, muito menos contra o capitalismo, até porque geram empregos, fazem a riqueza circular e a economia se desenvolver. Mas uma visita à livraria e a compra de um livro têm um “poder” muito maior do que a simples entrega de um chocolate, sem qualquer envolvimento de quem o recebe, nem de quem o dá, sem qualquer reflexão que possa suscitar o aprendizado e o crescimento das crianças.

Na vivência que relatei no texto em referência disse que iria substituir o ovo de páscoa “por mais uma visita a uma livraria, das tantas que já fazemos, para que escolhessem um livro. E como foi legal. Compartilhamos aquele momento da escolha do livro, folheamos tantos, lemos algumas estórias até que finalmente escolhessem cada um o seu livro. (…) Mais uma oportunidade para ensinar sob qualquer ângulo que se queira: natureza, cultura, amizade etc.

O momento posterior ainda gerou outros aspectos importantes, como o de que o livro não precisa ter um dono único, pois o conhecimento contido nele pode e deve ser compartilhado por todos. Assim, o livro não precisa ser só meu, pode ser ‘de nós dois, três, quatro etc.’, e também por isso devemos zelar por ele, pois outros poderão também ter aquela mesma oportunidade de aprender, de conhecer, enfim! Após a leitura, já no outro dia, pude também falar sobre o que foi lido, sobre a mensagem contida no texto, e sobre o momento divertido que tivemos.”

Dez anos depois, volto àquela reflexão, e meus filhos já crescidos, ainda lembram daquele momento, e talvez não recordem do momento em que foram presenteados com algum ovo de páscoa. Recordam dos valores que buscamos passar para eles todos os dias, os mesmos valores contidos nos livros que lemos, e recordam das reflexões sobre conceitos importantes para a formação moral e ética de cidadãos e de pessoas honradas que devemos buscar sempre ser. Que tal levarmos nossos filhos mais vezes às livrarias, lermos livros juntos, falarmos sobre conceitos essenciais e virtudes? Na páscoa, troque o ovo pela experiência de visitar a livraria, comprar um livro junto com seus filhos e incentivá-los à leitura. Eles vão lhe agradecer amanhã!

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A Guerra da Ucrânia e o fracasso do modelo de governança global

A guerra da Ucrânia põe em xeque o modelo atual de governança global, questionando a força e a capacidade de gerenciamento e de resolução de conflitos das organizações internacionais, como (e especialmente) a da Organização das Nações Unidas – ONU. Efetivamente, a ONU não foi capaz de evitar a guerra e tampouco tem demonstrado capacidade para encerrá-la. Enquanto isso, milhares de pessoas já perderam suas vidas, muitas delas civis, inclusive crianças. Será que essas organizações internacionais só têm força quando se trata de países pobres ou subdesenvolvidos? Quantas vezes já não foram visto as forças de paz da ONU atuarem em países nessa situação, tais como Afeganistão, Burundi, Haiti, Libéria, República Democrática do Congo e Timor Leste? Por sua vez, grandes potências econômicas como os EUA já invadiram outros países, com argumentos bem questionáveis, para dizer o mínimo, e a ONU quedou-se inerte, inclusive tendo aquiescido com essas invasões.

Agora foi a vez da Rússia que, ignorando a existência da ONU, invadiu a Ucrânia, inclusive com ameaça de que se alguém tentasse interferir as consequências seriam gravíssimas. A impotência das grandes potências, frente à outra grande potência, ficou muito clara nesse episódio. A ONU só tem força quando as grandes potências celebram um acordo de líderes. Do contrário, como agora, tudo não passa de mera retórica para justificar a sua própria existência e legitimação.

Para não ficar apenas nesse fato da guerra, no âmbito do comércio internacional não tem sido muito diferente, quiçá seja até mais frequente. A Organização Mundial do Comércio – OMC – também não demonstra ter forças para impedir que as grandes potências comerciais, como EUA e China, por exemplo, adotem medidas contrárias aos regramentos do comércio internacional. É como se simplesmente ignorassem as regras estabelecidas e criassem regras próprias. Não se pode esquecer que mais recentemente, ainda no governo Trump, os EUA aplicaram sobretaxas em alguns produtos importados, o que gerou uma série de reclamações na OMC de países como Índia, China, Rússia, Japão, Turquia e União Europeia. Os países denunciantes apontaram para uma possível ofensa a diversas regras estabelecidas no âmbito da OMC.

As colocações e reflexões feitas acima se dão pelo cenário atual que vivemos, qual seja, a guerra na Ucrânia. Não se pode negar, todavia, que tanto a ONU quanto a OMC desempenham um papel fundamental na governança global e no relacionamento entre países e povos, especialmente em um mundo globalizado como o atual. A OMC é um instrumento de cooperação internacional e um dos pilares centrais da ordem global, necessário à busca constante de bem-estar e prosperidade em nível global e na colocação de valores fundamentais da democracia liberal e tem entregado bens globais públicos e bem estar, o que é mais que economia; tem entregado os bens públicos de segurança, paz e estabilidade (OSAKWE, 2018). A ONU, por sua vez, tem no seu Conselho de Segurança a responsabilidade de lidar com assuntos referentes à segurança mundial, podendo intervir militarmente em países que estejam em conflitos bélicos, políticos e sociais, ou sob suspeitas de desrespeito aos direitos humanos e ordem internacional de paz.

O que quero pontuar, nesse contexto, é que outros mecanismos de governança global precisam ser estabelecidos, seja aprimorando a atuação dos organismos internacionais já existentes, onde as grandes potências, militares ou econômicas, se submetam incondicionalmente aos regramentos postos, seja criando novos modelos, novos organismos, com mais força e poder. Não há dúvida que a guerra da Ucrânia traz à tona uma fragilidade do modelo de governança global atual, pondo em xeque a sua força e o seu poder. A cada dia que essa guerra se estende, a cada vítima inocente que perde sua vida, a cada clamor pela paz que ecoa pelos quatro cantos do mundo, mais esse modelo vai perdendo o seu sentido, emergindo daí a necessidade de uma nova ordem.

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A guerra entre Rússia e Ucrânia e o papel da sociedade civil global

O mundo está às voltas hoje com a guerra entre Rússia e Ucrânia, representando o maior risco para a manutenção da paz mundial desde a 2ª Grande Guerra. Nesse sentido, a globalização tem se mostrado um importante elemento de força para preservação dessa paz. É que os países, assim como suas respectivas populações, não estão mais isolados no mundo, apartados por uma fronteira geográfica, por uma economia interna fechada ou mesmo por uma cultura específica. De fato, as tecnologias de informação e comunicação são mais difundidas do que a eletricidade, atingindo mais de três bilhões dos sete bilhões de pessoas do mundo (Hilbert, 2012).

Segundo artigo publicado pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 2018, o volume de dados no mundo havia aumentado exponencialmente e que, segundo algumas estimativas, 90% dos dados no mundo haviam sido criados nos últimos dois anos, projetando-se um aumento de 40% ao ano, considerando que a capacidade mundial de armazenamento de informações praticamente tem dobrado a cada 40 meses desde a década de 1980.

Com todo desenvolvimento dessa comunicação global, a integração entre as pessoas aliada à própria globalização econômica fez com que elas (pessoas) não fossem mais consideradas, mesmo por si mesmas, como pertencentes a um único e determinado espaço geográfico, a uma única nação ou mesmo a um único povo. Se estes aspectos forem somados à evolução e expansão do conceito de direitos humanos, todos, indistintamente, passaram a ser qualificados unicamente como seres humanos detentores de direitos fundamentais, como o direito à vida e à liberdade.

Nesse sentir, podemos afirmar que guerra entre Rússia e Ucrânia, direta ou indiretamente, afeta praticamente todos os países e toda a população mundial, não ficando circunscrita apenas aos dois territórios que estão em conflito armado direto. Basta observar o papel das redes sociais e o envolvimento da mídia e das pessoas, de forma coletiva ou individualmente, que têm se posicionado sobre esse conflito, exigindo de seus respectivos governos ações para que a paz volte a reinar. A pressão da sociedade civil contra a guerra, inclusive por parte da população da própria Rússia, tem sido bastante incisiva, enquanto a população civil da Ucrânia, do outro lado, também está a pegar em armas para proteger seu país.

A expressão sociedade civil global já tem sido defendida como uma nova percepção do mundo, estimulada por movimentos transnacionais, pacifistas, ecológicos etc. O conceito de sociedade civil global (Keane, 2003) envolve a noção de sociedade civil mundial, partindo do ideal kantiano de uma governança global, e de sociedade internacional, que por sua vez compreende a organização do mundo em uma organização de Estados Soberanos, em que pese se diferenciar destes quanto ao conteúdo. Assinala Keane, a existência de três forças que têm impulsionado a globalização da sociedade civil: a cidadania, o atual sistema de mercado e os organismos estatais e interestatais e o direito internacional, que terminam por oferecer um marco regulatório favorável ao desenvolvimento e fortalecimento de uma sociedade civil global enérgica. (Keane, 2003).

A guerra entre Rússia e Ucrânia e o risco que ela trouxe para a paz mundial, e mesmo para a existência do planeta Terra, mostra que a sociedade civil global precisa fortalecer-se ainda mais, atuar ainda mais, estar mais presente, e isso significa que todos, indistintamente, possuem um papel muito importante. Significa que o individualismo não mais pode existir, porque impossível se estar sozinho no mundo globalizado; e impossível não se importar com as mortes e destruição provocadas pela guerra, pois são vidas humanas que se perdem sem qualquer motivação lógica-racional.

A sociedade civil global precisa ser cada vez mais consciente de seu papel na luta contra as ideologias perniciosas, na defesa do Estado Democrático de Direito, no combate à corrupção em todas as esferas, e na luta por um mundo melhor para se viver, sob pena dessa guerra abrir um precedente tão absurdo quanto o que foi aberto pela aceitação da propaganda da Alemanha nazista pós-primeira Grande Guerra. O final todos sabem: a maior tragédia humanitária da história. Não podemos acreditar que isso ainda possa ser possível em um mundo globalizado como o que se vive hoje.

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A construção de novos contratos sociais

As pessoas buscam a segurança, em todos os âmbitos, como um elemento crucial para ter uma vida tranquila e feliz. Essa é uma lógica que decorre da própria natureza humana. O instinto de sobrevivência, por exemplo, fez com que os homens, nos primórdios, buscassem um local seguro para se protegerem do frio, das feras, enfim. Persegue-se a segurança e/ou estabilidade do emprego como condição de possibilidade para se garantir o sustento de si mesmo e da família. O Estado mesmo foi edificado para garantir a segurança da vida em sociedade, protegendo as pessoas umas das outras, em suas múltiplas relações sociais, inclusive de eventuais desmandos dos poderes constituídos. Uma infinidade de exemplos poderia ser citada para confirmar que a segurança é sim o porto seguro que sempre se almejou alcançar. Todavia, em que pese a busca desse porto seguro ser um farol perseguido pelos habitantes que povoa(ra)m esse planeta, é justamente a insegurança o que se faz mais presente nos dias atuais. Em pleno Século XXI, ou mais de dois milhões de anos depois da sua existência, a humanidade se sente insegura. Não é pra menos.

Interessante observar que mais de trinta e cinco anos depois da publicação da obra de Ulrich Beck, “Sociedade de Risco”, a realidade descortinada por ele exsurge cada vez com mais força: “A própria modernização trouxe consequências que estão hoje arriscando as condições básicas de vida alcançadas por via desse mesmo processo. (…) Uma civilização que ameaça a si mesma, na qual a incessante produção de riqueza é acompanhada por uma igualmente incessante produção social de riscos globalizados que atingem da mesma forma todas as nações, sem distinção. (…) A incerteza produzida pela Sociedade de Risco expressa a acumulação de riscos – ecológicos, financeiros, militares, terroristas, bioquímicos, informacionais, que tem presença esmagadora hoje em nosso mundo. (…) A consciência do risco global cria espaço para futuros alternativos, modernidades alternativas. Os riscos globais abrem um novo espaço de discussão moral e política capaz de fazer surgir uma cultura civil de responsabilidade globalizada.”

As doenças da pós-modernidade estão atreladas à insegurança, afinal esta gera incerteza e medo, ao contrário da segurança que inspira confiança.

No caso do Brasil, para ficar por aqui, as incertezas afloram como ervas daninhas em um jardim descuidado. Nos últimos tempos, os próprios poderes legalmente constituídos, todos, geraram muito mais incertezas do que trouxeram confiança à sociedade que representam e para a qual deveriam trabalhar. Vive-se hoje, no Brasil, em um verdadeiro Estado de Risco, o que é muito grave. A insegurança jurídica sobeja e a Constituição Federal, que representa a garantia do Estado Democrático de Direito foi transformada ainda mais em uma colcha de retalhos, desvirtuada do seu propósito e interpretada ao bel prazer de interesses individuais.  O Legislativo, por sua vez, vive para a/da política(gem), caminhando para onde os recursos financeiros apontam e, como um demagogo, explora as emoções, os sentimentos, os preconceitos e, sobretudo, a ignorância de um povo mal instruído, estando longe de defender os efetivos interesses da sociedade. Já o Executivo, há décadas, suscita debates ideológicos que provocam uma verdadeira segregação sócio-política de pensamentos conflitantes, abrindo-se o espaço para a incerteza da própria convivência harmônica em sociedade.

Joseph Stiglitz, em “O Mundo em Queda Livre” sugere a construção de novos contratos sociais, para se tentar superar o medo e a desconfiança, salientando, porém, que “não é a melhor maneira de começar a longa e difícil tarefa da reconstrução”. Pondera, todavia, que não há escolha se se quer “restaurar a prosperidade sustentável”, sendo por isso que entende que seja necessário “um novo conjunto de contratos sociais baseados na confiança entre todos os elementos da nossa sociedade: entre os cidadãos e o governo, entre esta geração e o futuro.”

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O pensamento na construção de uma nova realidade

O ano novo se inicia e no Brasil as incertezas sobejam às escâncaras. De fato, 2022 será um ano eleitoral onde as perniciosas ideologias continuarão a polarizar o país, a pandemia provocada pela Covid ganhou o reforço de novas cepas e de outros vírus gripais; as chuvas, que tanto se esperava para encher os reservatórios e evitar um caos energético, vieram com força máxima em algumas regiões e os desastres provocados são de outra natureza. Por sua vez, a economia, fragilizada pela volatilidade e insegurança do mercado, e ainda pela inflação que começa a assustar cada vez mais, não tem apontado para um porto seguro em curto prazo. O intuito de desvelar-se essa situação da realidade atual, no contexto dessa abordagem, não é o de enfrentar diretamente cada uma dessas questões, mas apenas referenciá-las para situar o problema da mente humana em um tempo difícil e incerto. Não é à toa que a depressão e a ansiedade representam as principais doenças que têm afligido as pessoas ultimamente.

Esse cenário, independentemente de vários outros elementos que poderiam ser acrescidos para um matiz mais nítido, poderia ser representado pelo quadro “O Grito”, pintado em 1893 pelo norueguês Edvard Munch.  A tensão provocada pela tela de Munch nos remete à mesma incerteza que traz consigo o alvorecer de 2022, menos por um apelo pessimista do crítico observador e mais pela própria realidade transmitida pelos elementos constitutivos da paisagem, infelizmente. É que se fosse por algum tipo de pessimismo a análise poderia estar viciada, uma vez sofrer a influência de uma deficiência psicológica, o que não ocorre, in casu. Em verdade, essa incerteza que se desnuda é uma fiel representação da atual realidade e um ataque às mentes desprovidas das defesas necessárias para não se deixar abalar.

Todavia, tem-se visto e ouvido, na tentativa de se aplacar as angústias, alguns afirmarem que essas incertezas já são próprias desse país, afinal já se está acostumado com esse quadro desolador e, queira-se ou não, vai se sobrevivendo, nem que seja aos trancos e barrancos. Essa afirmação é um acalanto para os incautos. Acostumar-se com isso tudo, longe de significar uma adaptação, que Darwin vaticinou como uma conditio sine qua non para sobrevivência das espécies, representa mais um conformismo e uma inércia mental. Por que a história, que tanto ensina, que tanto dá exemplos, sempre está a se repetir justamente naquilo que mais deveria envergonhar os homens?

O homem não foi criado para conformar-se, para acostumar-se com o errado, com a violência, com a desconstrução da própria natureza humana, enfim. Talvez, por essa indignação interna é que a ansiedade e depressão venham se alojando na mente das pessoas. Ao contrário, o sentido da vida passa necessariamente pela evolução, pelo avanço através do conhecimento. Por isso é preciso pensar, pensar bem, refletir criteriosamente e sem influências de pensamentos forjados ideologicamente ou por interesses individuais. Estes não servem, porque eivados do vício da parcialidade irreflexiva.

Como muito ainda há por vir, que o início do ano sirva para que mais e mais reflexões e questionamentos sejam feitos, para que a mais importante faculdade da inteligência, a de pensar, seja exercida em toda a sua plenitude. Só assim, quem sabe, em um próximo ano, seja possível afirmar que, em que pesem eventuais problemas ou incertezas, tudo, ao fim, ficará bem, pois as soluções serão descortinadas no campo dos pensamentos verdadeiros, altruísticos e de bem. Assim, somente assim, se conseguirá construir uma nova realidade, mais auspiciosa e condizente com máxima de que nascemos para ser felizes.

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A advocacia como um sacerdócio e o aviltamento dos honorários advocatícios

O exercício da advocacia é um sacerdócio, exige dedicação, coragem e conhecimento, além da necessária integração entre a pessoa, o ser, e o ofício que abraçou como algo intrínseco à sua própria vida. A advocacia é a própria sustentação do Estado Democrático de Direito, já que são as advogadas e os advogados que representam os cidadãos em suas lutas pela preservação dos direitos e garantias estabelecidos pela própria Constituição Federal. Não por menos o legislador constituinte cunhou no artigo 133 da Carta Magna que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. Assim, nessa luta pelos direitos e pela democracia, advogadas e advogados, sejam eles públicos ou privados, enfrentam constantes batalhas, sem tréguas e sem descansos sofrem constantemente pressões, que já se tornaram naturais no exercício da advocacia.

Efetivamente, como já disse outrora, todos os dias, todas as manhãs, sem relutar, abnegados, advogadas e advogados estão nos fóruns e cartórios, isso quando não estão em seus escritórios, ou mesmo em suas casas, avançando pela madrugada, estudando, elaborando petições e buscando uma tese que possa “salvar” os interesses de seus clientes. É da natureza da profissão das advogadas e dos advogados, pois, terem que lidar com as angústias, medos e indignação das pessoas, dos representantes de empresas e de instituições, sem poderem descuidar ainda da luta em processos judiciais onde as incertezas dos resultados e do próprio tempo de duração são uma variável constante. Não bastasse, muitas vezes temos visto tentativas de criminalização e de desvalorização da advocacia, quando advogadas e advogados têm também que lutar para que seus honorários sejam justa e legalmente fixados.

As profissões, todas elas, precisam ser adequadamente remuneradas, não sendo justo nem permitido, salvo em casos de voluntariado, que haja o exercício de um trabalho sem uma respectiva contrapartida remuneratória. Com a advocacia não poderia ser diferente, afinal advogadas e advogados lutam diuturnamente, com denodo, sem horário e sem dia determinado, em um plantão constante, para que seus constituintes logrem êxito em seus pleitos.

Os honorários advocatícios são o alimento na mesa das famílias dessas advogadas e advogados, possuindo, pois, natureza alimentar. Não por menos o Código de Processo Civil em vigor estabelece em seu artigo 85 “que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor” e “serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”. Nesse aspecto, a lei processual é clara, inclusive para não deixar dúvidas estabelece que também “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência”.

Em que pese a clareza do conteúdo do referido artigo, tem-se visto algumas decisões que terminam por aviltar esse direito aos honorários sucumbenciais. Tanto é assim que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) iniciou uma mobilização nacional pela valorização dos honorários advocatícios e pelo cumprimento do Código de Processo Civil (CPC), com a participação das 27 seccionais nos estados, tendo anunciado o Presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, que a OAB enfrentará “toda e qualquer tentativa de aviltamento dos honorários da advocacia, como tem sido tentado. A advocacia não permitirá que seja reescrito o Código Fux, que estabeleceu, de forma equilibrada, os parâmetros para nossos honorários”.

A proposta de mobilização foi apresentada pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, aduzindo ser “muito importante registrar que o que nós queremos é o cumprimento da lei. E, portanto, o que queremos é que o Judiciário aplique o Código de Processo Civil. É uma campanha centrada no cumprimento da lei processual, no cumprimento do CPC e na valorização dos honorários de advogados”.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os advogados públicos podem receber honorários sucumbenciais, como não poderia ser diferente, considerando a natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados e julgando assim constitucional a norma estabelecida pelo CPC, estabelecendo apenas que os honorários mensais não devem exceder o teto, tal como estabelecido pela Constituição. Essa decisão do STF, sem dúvida, é uma conquista da advocacia e auguramos que ela possa servir como uma fonte luminosa a trazer luzes para que haja o definitivo reconhecimento de que os honorários advocatícios pertencem aos advogados e ainda para que não possam sofrer qualquer aviltamento.

A advocacia é essencial para a Democracia

O exercício da advocacia é essencial para a Democracia, para a manutenção do estado democrático de direito, assim estabelece a nossa Constituição Federal. E só podemos atender essa democracia em plenitude se as prerrogativas dos advogados forem respeitadas. Por todos. Pelo Poder Judiciário, pelas autoridades legalmente constituídas, enfim, pela sociedade.

Os advogados não podem abrir mão de suas prerrogativas, porque elas são uma proteção ao exercício profissional, de modo que possamos exercer a nossa atividade em toda sua inteireza e extensão, lutando pelas liberdades, lutando pelas igualdades. É necessário, portanto, que nossas prerrogativas sejam respeitadas e nós, advogados, devemos lutar por elas, não permitindo que sejam desrespeitadas em hipótese alguma.

 

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