Assolados por uma avalanche de (des)informações, reclusos em seus próprios lares, o brasileiro vive um momento ímpar em sua história. A pandemia provocada pelo Covid-19 (coronavírus) gerou medo, insegurança e incertezas, afligindo a saúde das pessoas e a economia. Nessa situação calamitosa, os caminhos que se têm descortinados revestem-se de uma escuridão tal que não se sabe ao certo qual deles seguir, qual o mais seguro ou qual se dirige a uma belíssima fonte luminosa, como a Fontana di Trevi.
Em A construção política do Brasil – Sociedade, economia e Estado desde a Independência, de Luiz Carlos Bresser-Pereira, publicada em 2014, o autor faz uma abordagem histórica, permeada por uma profunda análise crítica de toda a trajetória percorrida, desde a Independência até o Brasil de Hoje, onde analisa as várias crises que atravessaram o país naquele período e que terminaram por caracterizá-lo, segundo o próprio autor assevera na conclusão do livro, como uma nação incompleta, uma sociedade ainda nacional-dependente, uma sociedade em busca de uma estratégia nacional de desenvolvimento, uma nação que rejeita o Estado liberal mas não logrou ainda reconstruir e renovar o Estado desenvolvimentista, um país que precisa aumentar a sua taxa de investimento, e uma sociedade em que ainda impera a desigualdade.
Trago a lume o excerto acima para que se possa refletir sobre o país em que vivemos hoje e se muito do que consta naquela pequena passagem da obra não reflete exatamente o que somos e as razões de não sabermos escolher nossos caminhos.
Todavia, independente do caminho a escolher, há algo que se faz necessário em qualquer momento de crise como esse por que passa o Brasil, mesmo que seja tão complexa como denota ser: a existência de uma coalizão de classes.
Efetivamente, não há dúvida que a classe empreendedora (comerciantes, industriais, agricultores, etc.) somando esforços às demais classes existentes, representam toda a força motora do país, é claro que dependentes também, de toda a mão-de-obra existente, da mesma forma que o Estado representa (ou deveria representar) o ancoradouro dos interesses sociais e o instrumento essencial para a manutenção das liberdades, da Ordem e da Democracia.
Ocorre que, ao invés de se propor o debate de todas as classes, com vistas a encontrar o melhor caminho a seguir, estas se debatem e trocam acusações, se dividem ainda mais, enfim, permanecem no meio da encruzilhada, amontoadas, sem saírem do lugar.
Por sua vez, o Estado, representado por todos os seus Poderes, como numa Babel, não consegue falar a mesma língua, não conseguem estender um diálogo que culmine para algum ponto razoável ou pelo menos único, e até mesmo intrapoderes as manifestações são divergentes, contraproducentes.
É preciso que todos compreendam a necessidade de que haja essa coalizão de classes, um trabalho de todos: governo, empresários e trabalhadores, se se quer superar a crise e encontrar um caminho que leve a um porto seguro. Enquanto o Estado e a iniciativa privada não compreenderem que são interdependentes entre si, que deveriam se relacionar como uma espécie de simbiose positiva, e não como entes antagônicos e com interesses opostos, as crises que enfrentam jamais poderão ser superadas integralmente.
Não se pode deixar de lembrar que a responsabilidade pela existência social (e mesmo cada vez mais pelo bem-estar) de cada um dos membros da sociedade, não é apenas dos poderes públicos, mas também de toda a sociedade e de cada um dos seus membros individuais.
Esta é uma lição essencial para que todas as classes se harmonizem nesse difícil momento, para que sejam vistas não como opositoras uma da outra, como excludentes uma da outra, mas sim como necessárias uma à outra, em que pese haver em algumas circunstâncias algumas divergências, porque é natural.
Não por menos que Bresser-Pereira, na obra citada, entende que para a superação de crises e para que o Brasil volte a crescer, há que se construir uma nação coesa, defendendo a coalizão de classes, o que remete para o (re)pensar a relação entre o público e o privado e a relação das próprias pessoas em sociedade.
A sociedade, afinal, é una, ou pelo menos deveria ser. O povo está inserido dentro de um único território, um único país e possui um objetivo comum, que é justamente viver em harmonia dentro desse espaço, livre e com direitos e deveres criados na forma estabelecida por uma Ordem Constitucional Democrática de Direito.
Que em tempos de crise como o que se vive hoje, o discernimento, a razoabilidade e a sensatez estejam presentes em todas as ações, sejam do governo, sejam da iniciativa privada, sejam da sociedade mesma, e que sirvam como instrumentos a lapidar a construção de uma efetiva e eficaz coalizão de classes, caminhando todos rumo a um destino melhor.