Por Luiz Edson Fachin
Eleições periódicas fazem parte da saúde constitucional de uma sociedade democrática. Consistem em antídoto para o descontentamento com agentes públicos, a desinformação e disseminação do ódio, e para o aumento da percepção da corrupção.
A corrupção é renitente, afirmaram Lilia Schwarcz e Heloisa Starling em sua biografia do Brasil. As historiadoras registram que nas últimas décadas o país avançou em questões decisivas, nada obstante a corrupção não foi (e não é) ocorrência marginal. Não é de ontem que essa forma de governar se metamorfoseou desde as fissuras do concerto político e econômico de 1988.
Essa resistência poderia ser o que Raymundo Faoro, embora se referindo ao período D. João I a Getúlio Vargas, denominou, na obra sobre os donos do poder, de viagem redonda, curso histórico de um sistema de forças políticas sobre a sociedade que aparentemente muda e se renova para continuar estamento impenetrável às mudanças.
No Brasil mais recente, atos contra bens jurídicos de interesse público e a Petrobras desvelaram múltiplos delitos, como corrupção, lavagem de dinheiro, e quadrilha. No STF, nos últimos quatro anos, mais de uma centena de inquéritos foram abertos e desse total: 37 estão em andamento em nosso gabinete; 31 foram arquivados; 38 declinados a outras instâncias; 67 redistribuídos a outros ministros no STF, tratando de matéria não diretamente conexa à Petrobras. Além disso, nove denúncias foram recebidas e sete, rejeitadas. Há nove ações penais instauradas, sendo até agora quatro julgadas pela 2ª Turma no quadriênio.
Os números (cujo relatório inteiro foi publicado no sítio eletrônico do STF) desenham o que se completa trazendo à esfera pública em geral os desvios praticados aqui e alhures por agentes da ordem econômica e financeira privada. Na América do Norte, podem ser vistas as feridas abertas pela corrupção no sistema financeiro dos Estados Unidos em 2008. O Estado e determinados agentes do mercado não são entes sem sombra, invisíveis. Cá e lá, os acordos de colaboração premiada são negócios jurídicos entre o Estado e criminosos confessos, revelando corruptos e corruptores.
Será que a viagem redonda a que aludia Faoro fez, entre nós, nos vãos do tempo de 1988 a esta quadra, a lição de Giuseppe di Lampedusa segundo a qual para “que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”? Essas três últimas décadas teriam aniquilado esperanças constituídas em 1988 de uma sociedade livre, justa e solidária, apta a garantir o desenvolvimento, a erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades, e a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação? A resposta da indiferença é a pior escolha, é o triunfo da apatia adornado de tanto faz.
Contra essa desesperança somente se pode desenvolver vacina dentro das escolhas democráticas, porquanto é na Constituição do Estado de Direito em 1988 que se deve redescobrir a sobrevivência da sociedade hospedeira. As eleições periódicas são redenção contínua da democracia.
É imperioso, portanto, que as instituições produzam confiança para enfrentar as enfermidades da democracia dentro do Estado democrático de Direito. Isso vale também para a corrupção. Para tanto, é legítimo saber das práticas e dos procedimentos judiciais, se a prestação jurisdicional é bem administrada, se há suficiente oferta de informações sobre a justiça, se as decisões são corretas diante da lei, mantendo pronunciamentos coerentes, estáveis e seguros, preservando a Constituição e suas normas.
É fundamental proteger e escrutinar as instituições democráticas. É na opção democrática (utilizando expressão das professoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling) que, nos termos das autoras citadas, uma República se faz e, quando necessário, se refaz. Existe uma única via e somente uma: a democracia.
A democracia é caminho com luzes e sombras, ruidosa como canteiro de obras. É nela que o país poderá redimir o que se constituiu em 88. Daí a importância de participar da política e engajar-se na vida pública, sem deixar abater-se pela indiferença.
As próximas eleições abrem as portas para um passo importante da cultura democrática. É a democracia que pode frear a viagem redonda da corrupção. A esperança está no seu voto. Artigo originalmente publicado no jornal O Globo. Fonte: Conjur
Para Câmara, apenas STF é competente para determinar cautelares contra deputados
A competência para decidir sobre busca e apreensão contra parlamentares deve ser exclusiva do Supremo Tribunal Federal, sendo posteriormente submetida à casa legislativa à qual pertença o investigado.
Admitir que essa análise seja feita por juízo de primeiro grau coloca em risco a privacidade parlamentar e a garantia constitucional de que não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato.
Com esse entendimento, a Câmara dos Deputados enviou duas reclamações ao STF com pedido liminar de anulação de mandados de busca e apreensão realizados recentemente contra parlamentares pela Polícia Federal. No mérito, a Casa também pede que se fixe a tese de que é o Supremo Tribunal Federal o órgão do Poder Judiciário competente para determinar medidas cautelares contra parlamentares que possam afetar ou restringir o exercício do mandato.
As peças, que são essencialmente parecidas, são assinadas pelo Secretário-Geral da Mesa Adjunto de Coordenação Técnico-Jurídica, Roberto Carlos Martins Fontes, e em favor dos deputados federais Paulinho da Força (Solidariedade-SP) e Rejane Dias (PT-PI).
Paulinho da Força foi alvo de busca e apreensão em 14 de julho. Foram sete mandados, com buscas na sede da Força Sindical, em São Paulo, e no apartamento funcional e gabinete do parlamentar, em Brasília.
Já no caso Rejane Dias, que é casada com o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), a operação ocorreu nesta segunda-feira (27/7) e investiga desvio de verbas para educação no estado nordestino. Ao contrário do que ocorreu com Paulinho da Força, o pedido passou pelo Supremo Tribunal Federal.
O caso da deputada tramita no juízo da 3ª Vara Federal do Piauí, que enviou petição tratando da ordem de busca e apreensão ao STF. A ministra Rosa Weber não conheceu do pedido, remetendo de volta para que o juízo decidisse conforme sua convicção.
A tese das duas peças é que magistrados de primeiro grau não poderiam ter determinado busca e apreensão contra parlamentares.
No mesmo contexto, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), recentemente barrou operação no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP). A ordem de busca e apreensão depois foi suspensa por decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Fonte: Conjur
***** Texto publicado originalmente no Jornal O Dia no dia 30 de julho de 2020