*Rodrigo Sampaio, O Estado de S.Paulo
Na última quarta-feira, 03, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao Recurso Extraordinário 1.010.606, que trata do direito ao esquecimento. O assunto é constantemente pleiteado por cidadãos que requisitam a exclusão de seus nomes em conteúdos de reportagens e artigos publicados por veículos de comunicação na internet, ou por plataformas digitais de pesquisa.
Ao justificar o seu voto, o ministro Dias Toffoli defendeu que o ‘direito ao esquecimento’ é incompatível com a Constituição. Para ministro, não se pode conceder a alguém ‘o poder de obstar, em razão do tempo, a divulgação de fatos verídicos’ em meios de comunicação. Toffoli é o relator do caso de Aida Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro, e que norteou o debate acerca do direito ao esquecimento.
O julgamento do caso no STF ainda não está encerrado devendo ser retomado na próxima quarta, 10.
Entenda mais sobre o assunto:
O que é o direito ao esquecimento?
O direito ao esquecimento diz respeito às pessoas que buscam, por meio da Justiça, terem seus nomes ou imagens apagadas de páginas, sites ou mecanismos de busca na internet, alegando constrangimento. Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro não possuir uma norma que verse sobre o assunto, os cidadãos que desejam ser esquecidos se apegam ao inciso X do art. 5º da Constituição Federal, que assegura o direito à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas.
“Se convencionou chamar ‘direito ao esquecimento’ os pedidos que fazem aos sites de busca para que haja a desindexação de determinado conteúdo. Ou seja, que eles estejam inacessíveis para buscas públicas”, explica o advogado Guilherme Amorim, especialista em Direito Constitucional.
Em um dos casos mais emblemáticos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ordenou, em 2018, que buscadores desvinculassem o nome de uma promotora de Justiça do Rio de Janeiro às notícias sobre uma suposta fraude em um concurso para o Tribunal de Justiça do Estado. Devido ao fato de a promotora ter sido inocentada em 2007, o julgamento considerou que os dados tiveram a relevância “superada pelo decurso do tempo”.
Por que é polêmico?
O debate, entretanto, esbarra em outros valores garantidos pela Lei Federal, como a liberdade de acesso à informação, inciso XIV do próprio art. 5º. “O fato de um criminoso, por exemplo, ter se reinserido socialmente, não o exime da sua culpabilidade. Mesmo após ele ter cumprido sua pena, não significa que isso possa ser objeto de um esquecimento. O STF terá de levar isso em consideração, principalmente em crimes graves, como assassinato, estupro, latrocínio e exposição de menores”, afirma Amorim. “Será que deve haver um limite para o dever de informar? Quais são os aspectos do direito à vida privada que eventualmente possam ser merecedores do direito ao esquecimento? Qualquer legislação que aborde esses detalhes vai esbarrar em tipos constitucionais que propositadamente são amplos.”
Caso Aída Curi
Em 2004, o programa ‘Linha Direta Justiça’, da TV Globo, reviveu a história de Aída Curi, jovem de 18 anos que foi abusada sexualmente e morta ao ser atirada de um prédio em Copacabana, no Rio de Janeiro, no ano de 1958. Após serem avisados pela rede de televisão que a história iria ao ar, a família da vítima notificou a empresa pedindo a não exibição do episódio, mas o apelo não foi atendido. De acordo com Roberto Algranti Filho, advogado da família, o programa reabriu “feridas emocionais muito profundas”.
Naquele mesmo ano, os parentes de Aída entraram com uma ação contra a Globo pedindo uma indenização pelo fato de o episódio ter “causado mal a família e representado um novo trauma”. Antes do recurso ser levado ao Supremo, o STJ deu ganho de causa para a Globo, argumentando não ser possível tratar jornalisticamente do assunto sem mencionar o nome dos envolvidos.
Liberdade de imprensa
Katia Brembatti, diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) — que será ouvida no processo — observa a situação com “preocupação” e afirma que o caso está ligado somente à liberdade de informação, uma vez que o episódio não se encontra disponível nas plataformas da TV Globo na internet.
“Não estamos falando de informações erradas ou falsas, mas, sim, de fatos que efetivamente aconteceram. Também não estamos falando de remoção de indexação do Google. Uma coisa é dificultar ou não facilitar o acesso a um conteúdo, outra coisa é discutir se a Globo poderia ou não ter tratado deste assunto”, diz Brembatti.
A diretora afirma, ainda, que a Abraji vê o caso como “censura” e acredita que, se o recurso for aceito pelo Supremo, poderá dar início a uma série de “assuntos proibidos” no País, o que seria prejudicial ao direito à informação e liberdade da imprensa, previsto na Constituição.
Casos ‘Costeja González’ e ‘Lebach’
Fora do País, não há locais onde o direito ao esquecimento é garantido juridicamente. O caso mais emblemático aconteceu na Espanha, onde o cidadão Costeja González entrou com uma ação contra o Google exigindo que a ferramenta excluísse os resultados sobre uma antiga dívida de IPTU, publicada, em 1998, no jornal La Vanguardia. O processo teve início em 2010, dois anos após o periódico digitalizar seu acervo.
Em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia acolheu o pedido de González, apagando seu nome dos mecanismos de busca na internet. Foi definido, porém, que a decisão não seria igual para o surgimento de novos pedidos que fossem de interesse público.
Outro episódio, conhecido como “Caso Lebach”, ocorreu em 1973, quando o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha acolheu o pedido de um homem, condenado por participação no assassinato de quatro soldados três anos antes, que pedia não divulgação de um documentário de TV sobre o episódio, pois estava prestes a entrar em liberdade condicional. A corte entendeu que, devido ao decurso do tempo, o interesse público já não era o mesmo de antes, o que poderia configurar uma nova punição ao infrator.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo