Vivemos hoje em uma sociedade extremamente complexa, onde os antigos paradigmas não conseguem mais explicar ou resolver os problemas. As desigualdades sociais e de classe, a corrupção, a política de troca e de favorecimento pessoal, aliado a vários outros fatores, terminam por gerar um acentuado desconforto (para dizer o mínimo) na sociedade, que termina por desacreditar no modelo existente, já que os poderes constituídos não foram capazes de se reinventarem, acompanhando a evolução e as transformações sociais. De fato, os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) quando não estão litigando entre si, debatendo-se em uma disputa por competência e poder, internamente se degradam, entre vaidades e ambições (individuais), acentuando o descrédito popular de que gozam e pondo em risco o próprio modelo de Estado

Como alertara Jacques Chevallier (2010), as fronteiras do serviço público se encontram cercadas por uma nova margem de indeterminação, não sabendo mais quais são os bens essenciais que convém oferecer ao público em nome do imperativo de manutenção da coesão social, sendo esta, uma questão permanentemente aberta. O perímetro dos serviços públicos torna-se, desse modo, mais fluido e mais instável, o que também contribui para que a sociedade perceba que não há justiça social, pondo também em xeque a existência do Estado como instituição necessária à vida em sociedade. A justiça social, aliás, é um sentimento intrínseco a toda sociedade livre e que surge na medida em que o homem passa a compreender que o individualismo não tem razão de ser numa vida em sociedade.

Vale lembrar que o Estado, com a passagem do modelo liberal para o social, passou a ter um papel não apenas como garantidor da liberdade e de proteção do homem, mas teve que evoluir para garantir direitos sociais aos seus cidadãos. A transformação do Estado liberal em social se dá, dessa forma, justamente no momento em que a sociedade deixa de contentar-se com ter assegurado apenas o direito à liberdade, passando a demandar uma maior participação (para não utilizar a expressão intervenção) do Estado nas relações privadas, bem como, pugnando que outros direitos fossem estabelecidos e consagrados em prol dessa mesma sociedade.

 

A questão, porém, é que ao analisar-se a história do desenvolvimento social, pode-se inferir que todas as teorias, desde as socialistas utópicas, passando pelo marxismo, pela teoria da solidariedade social e até mesmo o social-liberalismo, representam diferentes respostas e diagnósticos para um mesmo problema: a impossibilidade de manutenção de um modelo de Estado capaz de atender efetivamente os anseios sociais. Percebe-se, nesse diapasão, que a justiça social efetivamente nunca existiu, sendo mais um desejo (utópico) da sociedade, que uma realidade existente. Todavia, não é pelo fato de nunca ter sido implementada que a busca pela justiça social deva ser esquecida, afinal é ela que também dá sentido à vida em sociedade e à constituição do próprio Estado.

O posicionamento acima é justificado, apontando-se, como observado pela sociologia de Durkheim, que foi o Estado que subtraiu a criança à dependência patriarcal, à tirania doméstica. Foi também (e ainda) o Estado que terminou por libertar os cidadãos dos grupos feudais e comunais, da mesma forma que, empós, libertaria o operário e o patrão das vinculações corporativas. O exercício mesmo da atividade do Estado com muita violência, apenas é considerada viciada, em suma, porque se limita a ser puramente destrutiva, sendo o que justifica a extensão cada vez maior de suas atribuições.

O certo é que nessa sociedade complexa, global, exigente e cônscia de seus direitos e interesses, é que, como assinala Robert Castel, se abre um espaço de medições que pugna por um novo sentido ao “social”, qual seja: não mais o de dissipar eventuais conflitos de interesses pelo gerenciamento moral, tampouco subverter (ou submeter) a sociedade pela violência revolucionária, mas sim negociar pactos entre posições diferentes (ou antagônicas), superando o moralismo dos filantropos e evitando o socialismo dos “distributivistas’.

Infere-se, assim, que os poderes constituídos dentro do Estado devem ser os vetores da justiça social, e mesmo que esta nunca seja alcançada em sua plenitude, até porque é (e deve ser sempre) utópica, justamente para que seja buscada, evoluindo com o desenvolvimento social, para que a sociedade compreenda a necessidade deles dentro de um Estado social Democrático de Direito. É que a sociedade passa a interpretar que a justiça social não foi atingida apesar do empenho e do trabalho desses poderes.

A contrariu sensu, a partir do momento que isto não se dá, ou seja, a partir do reconhecimento da sociedade de que a justiça social não poderá ser atingida, justamente em face do fracasso desses poderes, a sociedade passa a não aceitar o modelo existente, questionando o próprio Estado como sendo instituição capaz de reger a vida em sociedade. E a partir daí novos modelos podem surgir (ou mesmo antigos modelos podem ganhar força) o que traz o sério risco da incerteza, da dúvida e da insegurança.

Os homens e mulheres que formam os poderes dentro do Estado devem, pois, e urgentemente, acordar para esses fatores, que já se anunciam há muito, mas que esquecidos (ou não vistos) se desdobram em múltiplas facetas, que somadas são capazes de destronar o próprio Estado da sua condição de essencialidade para a sociedade. A busca pela justiça social deveria ser o farol a ser perseguido, e como premissa básica da constituição da sociedade e da existência do Estado, tem que necessariamente estar presente em toda e qualquer ação dos poderes que os representam.