Diz-se que o poder fascina, seduz, e que é por isso que se torna, muitas vezes, mais relevante que a própria riqueza, afinal o que se busca depois do dinheiro é justamente o poder. Um interessante enredo sobre o poder e a riqueza, que já gerou inúmeros filmes e livros, e que serve aqui de base para algumas reflexões sobre o papel da principal corte jurídica do Brasil – o Supremo Tribunal Federal (STF) – que representa o Poder Judiciário nesse país.

Não se pode negar que a fascinação e a sedução pelo poder sempre são impregnadas pelas vaidades que, exacerbadas, robustecem no ser humano o desejo do reconhecimento e/ou, como um deus, o de ser responsável por decisões que impactam na vida das pessoas (ou da sociedade). O poder rende, por isso, um capital (não importa se real ou falso – para aquele que o detém) consubstanciado em deferências de toda ordem. Ressalva-se, é claro, as pessoas que mesmo sendo detentoras do poder, por este não são fascinadas, tampouco seduzidas: são os grandes homens e mulheres.

Mas todo poder tem uma força, que pode ser medida segundo critérios, por exemplo, relacionados à relevância do poder em um dado contexto que se atribui ou até mesmo em relação ao momento em que é utilizado. A relevância e a oportunidade da utilização do poder seriam elementos, assim, cruciais para a definição da força do poder.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 102, estabelece que compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição. É um grande poder, sem sombra de dúvida, que representa a própria responsabilidade pela defesa e sustentação do Estado Democrático de Direito. É uma força de grande representatividade e que, como tal, jamais poderia ser utilizada desnecessariamente.

Ao longo dos anos, porém, cada vez mais se tem visto o STF imiscuir-se em comezinhas questões, tanto que, de guardião da Constituição, tem-se erigido em alguns casos à condição de legislador. É que de uma atuação fundamental, mas limitada pelo próprio legislador constituinte, o STF foi se deixando envolver pelas mais variadas questões, de toda ordem, aumentando assim o seu poder, que a cada dia, parece fasciná-lo e seduzi-lo mais e mais.

O resultado é que, segundo apontado no livro Os Nove – por dentro do mundo secreto da Suprema Corte, de Jeffrey Toobin, enquanto o Supremo Tribunal Federal brasileiro julga mais de 100 mil processos por ano, a Suprema Corte dos EUA julga perto de 100. Basta observar que o STF encerrou o ano de 2019 com 30.662 julgamentos “na fila”.

O Poder Judiciário é relevante demais para a sociedade. Isto é indubitável. Todavia, é preciso que ele próprio compreenda qual é efetivamente o seu papel dentro da sociedade, da política, da economia e do direito. E ao STF, deve reservar-se as causas que de fato lhes são inerentes, sob pena de haver uma desacreditação e uma diminuição da força do poder que possui.

O STF, em tema que considerou de repercussão geral, por ter relevância nos aspectos social, econômico e jurídico, além de envolver muitos casos similares, vai decidir se uma dada lei municipal, que proíbe a produção e comercialização de foie gras (patê de fígado de ganso) é constitucional.

O intérprete, em especial os Ministros do STF, pode sempre tergiversar em qualquer análise de uma lei, questões de natureza Constitucional, com vistas a atrair a competência, ampliando-se o raio de ação do poder que fora designado à Corte Máxima brasileira pela Constituição.

O STF não tem percebido que a força do poder é inversamente proporcional à sua amplitude e diretamente proporcional à sua relevância. A oportunidade de utilização do poder é o que concebe a sofisticação àquela força do poder, impedindo a sua banalização.

Não que caso do foie gras não seja relevante, assim como tantos outros, como a questão das vaquejadas, por exemplo. O que se discute é que são questões que não estão inseridas numa análise de proteção da Constituição capaz de atrair a utilização do poder do STF para dirimi-las. Será que essas questões não são muito mais de um caráter político-econômico-cultural do que jurídico-constitucional?

Por isso que, quando é chamado a decidir sobre questões relevantes, complexas, de tão ocupada que está com casos que sequer deveriam ter chegado à sua alçada, o STF, desgastado e sem energia, leva tempo demasiado longo para resolver. É a força do poder que, diluída, não consegue ter a necessária contundência. É como um super-herói que utilizou sua principal habilidade antes de enfrentar o vilão mais poderoso ou como a criança que passou o dia em brincadeiras e na hora de cantar os parabéns e apagar as velinhas, já está exausto, dormindo.