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Necessidade de novas políticas sociais após a crise do novo coronavírus

*Por Raimundo Simão Melo

Procurador Regional do Trabalho aposentado

Passada em grande parte a crise da pandemia do novo coronavírus, o mundo não será mais o mesmo, pelo menos é o que se imagina. Depois dela, com muitas mortes, sequelas da doença, aumento do desemprego, da pobreza e de exclusões sociais, alem de outras consequências, espera-se que o mundo volte um pouco suas políticas para o ser humano. Como já disseram alguns líderes globais, o mundo deverá colocar no centro das atenções o “arrependimento” pelos desacertos sociais ao longo dos anos, uma vez que, se não tivessem demasiadamente desprezado as questões sociais e suporte à saúde das pessoas, as consequências dessa crise poderiam ser menores, como, aliás, ocorreu em alguns países.

Como está sendo visto mundo afora, quem tem melhores condições financeiras se protegeu mais do novo coronavírus, da Covid-19 e de suas graves consequências.

O isolamento social foi, em alguns momentos, recomendação contra o novo coronavírus, como orientou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os cientistas.

Depois de constatarem os grandes estragos humanos decorrentes da pandemia do novo coronavírus, governantes globais passaram a reconhecer, como que fazendo mea culpa, que o maior valor global não é apenas a economia, mas, o ser humano! Oras, será que acordaram!?

A verdade é que será preciso mesmo um novo olhar para o Estado de bem-estar social (ou Estado-providência), tão esquecidos nos últimos tempos, um Estado social como forma de organização políticaeconômica e sociocultural, colocando o Estado como agente da promoção social e organizador da economia.

Será necessário pensar uma nova economia voltada para o bem-estar social de todos e não apenas para enriquecer uns poucos, como ocorre na atualidade. Entre outros líderes mundiais, antecipou nesse sentido o presidente Macron, da França, chamando a atenção dos seus colegas, dizendo que é preciso aumentar a capacidade de consumo, como fator preventivo ao enfrentamento do novo coronavírus, porque ele ataca os mais fracos, desnutridos e velhos e que os olhos dos governantes devem se voltar para o social, em primeiro lugar.

Essas providências são urgentes! A crise do novo coronavírus escancarou e mostrou que grande parte do povo não teve como fazer quarentena, porque nem onde morar adequadamente tinha. A maior parte da população de muitos países não tem saneamento básico e nem o que comer. É só ver a situação dos povos das comunidades nas grandes cidades, com famílias de grande número de pessoas morando em pequeníssimos casebres, sem a menor infraestrutura, sem água e sem sabão sequer para fazerem as recomendadas higienizações. “Durante a crise de Covid-19, cuja higienização é uma das principais recomendações dos órgãos de saúde, um estudo do Instituto Trata Brasil aponta que 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada, além de 100 milhões viverem sem a coleta de esgoto” (acesso em 27/6/2020).

Nesse contexto cabe lembrar e ponderar a relação que existe entre pobreza e trabalho, principalmente os trabalhos precarizados e informais, como vêm avançando mundo a fora, e no Brasil, que degradam as condições humanas.

Portanto, é preciso que todos reflitamos sobre a noção de pobreza como elemento que se articula e reclama por políticas de assistência social dentro da noção de trabalho como elemento fundante da sociabilidade contemporânea e da dignificação da pessoa humana. É o que preconiza, por exemplo, a Constituição Federal do Brasil no artigo 170, quando, ao estruturar a ordem econômica, diz que ela se funda na valorização do trabalho humano, na livre iniciativa e no pleno emprego.

É claro que isso somente será possível quando se entender que as riquezas mundiais devem ser mais bem redistribuídas entre os povos da terra e todos aprenderem um pouco com a crise do novo coronavírus e passarem a compreender que o ser humano está acima de tudo e que políticas sociais são os melhores investimentos para os Estados. Assim, o mundo poderá melhorar e o capital global mudar suas feições mais perversas, especialmente no tocante à grande acumulação de riquezas nas mãos de uns poucos.

Essas reflexões são minhas, são suas, são de todos, e, principalmente, dos governantes, cuja maioria só pensa nos seus interesses pessoais e no encastelamento no poder que ocupa. (CONJUR)

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“A vacina é um benefício coletivo, não é um benefício individual”.

Diferentes motivos levam os pais a não vacinarem os filhos, mas, até que ponto vai o poder de decisão dos pais quando o assunto é a saúde da criança? Quais as consequências legais para os genitores ou responsáveis? Em entrevista à repórter Lívia Azevedo, da Rádio Justiça, esclareço estes e outros questionamentos acerca de um tema de extrema relevância e importância para a sociedade, especialmente, nos dias de hoje com a pandemia do coronavírus.

RÁDIO JUSTIÇA: Os pais podem deixar de vacinar os filhos por motivo de crença religiosa? O que diz a legislação sobre isso?
CAMPELO FILHO: O primeiro aspecto que eu acho relevante tratar é que a saúde está na Constituição, no artigo 196, como um direito de todos e um dever do estado. A mesma seção que trata sobre a saúde, também diz que são de relevância pública as ações e os serviços de saúde e que cabe ao poder público dispor da regulamentação, fiscalização e controle. Penso que ninguém tem dúvidas que a vacinação é uma questão de saúde – que a vacinação contra a covid19 é uma questão de saúde – e o estado é obrigado a estabelecer essa política pública de vacinação por conta de sua responsabilidade constitucional.
Quando nós discutimos sobre a questão da obrigatoriedade ou não da vacina é importante destacar, primeiro, que a vacina de um indivíduo representa um bem para a coletividade, uma vez que essa pessoa quando vacinada deixa ou, pelo menos, diminui essa possibilidade de não se contagiar pelo vírus, mas também de contagiar outras pessoas. Então, a vacina é um benefício coletivo, não é um benefício individual. Essa questão, inclusive, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente, em dezembro do ano passado, e o ministro Luiz Roberto Barroso defendeu exatamente isso. Ele disse que o direito à saúde é coletivo e as crianças e adolescentes que ainda não têm a intenção volitiva das suas vontades estabelecidas com autonomia, vamos dizer assim, não podem ficar reféns de uma decisão familiar, porque o pátrio poder, neste caso, não pode ser invocado. Em outras palavras, o ministro Barroso defendeu que “o poder familiar não autoriza que os pais, invocando uma convicção filosófica ou religiosa, coloquem em risco a saúde dos próprios filhos e, via de consequência, a saúde da coletividade”. Então, esse é um dos casos em que se justifica que o estado seja paternalista e se sobreponha ao pátrio poder familiar.
Outro aspecto importante e que vale o esclarecimento é a seguinte situação: E se o pai impedir que o filho seja vacinado, vai se fazer uma vacinação forçada das crianças ou adolescentes? Não, não é dessa forma. O estado tem que estabelecer, através de medidas indiretas, regras que obriguem os pais a vacinarem seus filhos, como por exemplo, a restrição ao exercício de algumas atividades ou a presença em determinados lugares, a exigência do comprovante de vacinação da criança para efetuar matrículas no colégio, dentre outras. Estas são algumas maneiras indiretas que podem ser estabelecidas pelo estado, de modo que obriguem os pais a vacinarem seus filhos.

RÁDIO JUSTIÇA: Como fica o direito à liberdade religiosa e o direito à saúde? Como achar esse meio termo e como o estado consegue intervir sem desrespeitar o direito à liberdade religiosa, mas entendendo que há esse direito à saúde e à vida?
CAMPELO FILHO: Os direitos precisam ser analisados num eventual conflito que possa existir entre eles. Neste caso, o direito à liberdade religiosa vai se contrapor ao direito à vida e não é só à vida do indivíduo, mas à vida da própria coletividade. Então, nessa análise desses direitos, o que deve prevalecer é o direito à vida, à saúde coletiva, em relação à crença religiosa ou filosófica, porque essa crença se vincula a um indivíduo apenas e nós estamos falando aqui não é sobre a vida de um único indivíduo – que por si só já deve se sobrepor, sem dúvida, à questão da crença – mas da vida da coletividade.
Esse conflito também foi analisado pelo STF e ao apreciar o tema, que foi um recurso feito por procuradores da Associação Evangélica que questionaram essa obrigatoriedade, o Supremo disse o seguinte: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, que tenha sido incluído no Programa Nacional de Imunizações (PNI) ou que tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou que seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou município com base em um consenso médico-científico”. Então, nestes casos, é constitucional essa obrigatoriedade e, além disso, também não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis.
RÁDIO JUSTIÇA: Dr. Campelo, então, quais são as consequências legais de não vacinar os filhos? Existem penalidades para isso?
CAMPELO FILHO: Na verdade, as consequências já devem estar definidas no próprio regramento que vai estabelecer a obrigatoriedade. Em alguns países, por exemplo, Europa, Israel, passaram (ou vão passar) a exigir o cartão de vacinação comprovando que as pessoas foram efetivamente vacinadas para que elas possam frequentar determinados ambientes, determinados lugares, por exemplo, para matrícula em colégio público, a pessoa terá que apresentar a carteira de vacinação, comprovando que a criança recebeu a vacina.

Entrevista publicada originalmente no dia 06/03/2021 no Jornal O Dia

 

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